Crítica : Mogli - O Menino Lobo (2016) | Jon Favreau

Mogli: O Menino Lobo (The Jungle Book, EUA, 2016)
Direção: Jon Favreau
Roteiro: Justin Marks e Rudyard Kipling
Elenco e vozes originais: Neel Sethi, Ben Kingsley, Bill Murray, Idris Elba, Lupita Nyong’o, Scarlett Johansson, Giancarlo Esposito, Christopher Walken
Duração: 105 minutos
Classificação: 
 
Sinopse : Mogli é encontrado por Baguera, uma pantera negra. Nutrido de simpatia pela criança, ele o leva até uma alcateia de lobos onde passa a ser criado por Raksha, uma das lobas dominantes. Aceito como um igual entre os animais da selva, Mogli vê sua vida mudar totalmente após uma longa estiagem. Com apenas uma única fonte de água na selva, presas e preda o garoto parte em uma jornada fantástica com Baguera na tentativa de chegar na vila dos homens.dores são forçados a declamarem trégua para que todos possam beber água em paz. Porém, Shere Khan, um tigre de bengala, o animal mais cruel, perverso e assassino da selva confronta o jovem humano. Por conta de um trauma do passado, Khan detesta humanos e não admite a permanência de Mogli na selva. Sem saída e jurado de morte.



Resenha:


A Disney, sem a menor sombra da dúvida, é o estúdio mais arraigado dentro de sua estrutura inabalável do studio system desse novo século. A razão é simples, basta observar o calendário de lançamentos já anunciados até 2019 – uma lista, aliás, que tem potencial de expansão. Só nesse ano, temos lançamentos em quase todos os meses. Seu modelo de negócios raramente foi ameaçado ao longo das décadas, mas agora, nesses anos 2010, o estúdio ri à toa. Os filmes de super-herói modelaram a tendência para o modelo de negócios com margem de lucro de baixo risco. A Disney entende disso como ninguém com suas adaptações Marvel. Entretanto, o estúdio não se limitou a isso. A companhia é megalomaníaca e voraz: expande em diversas áreas.

A onda de remakes de seus clássicos vem desde Alice no País das Maravilhas que rendeu uma bilheteria significativa. O segundo acerto, Malévola, consolidou de vez e dissipou todas as dúvidas que a Disney poderia ter. Pouco tempo depois, uma compilação surge com Caminhos da Floresta. Em 2015, também gerando renda assustadora, Cinderela chega aos cinemas. É exatamente nessa linha que chega esse novo Mogli, porém, contando o enorme diferencial do espetáculo visual que essa história comporta.

Nessa versão, o roteirista Justin Marks trabalha um pouco mais inspirado na obra clássica de Rudyard Kipling, ainda mantendo a estrutura feita por Walt Disney no filme de 1967. Marks pretende, de início, elaborar um estudo de personagem mais aprofundado para Mogli que nunca foi desenvolvido com muito peso dramático em outras obras cinematográficas do estúdio.
Bebendo muito da fonte vinda do filme original, Marks consegue criar elementos interessantes, investir onde era preciso mais dedicação e elaborar releituras de personagens. Marks acerta em explorar mais a alcateia que criou Mogli. Apresenta alguma boa relação do menino lobo com sua mãe e seus irmãos filhotes sugerindo até mesmo um vínculo mais profundo com um deles, um cerne que logo é deixado de lado. Na verdade, essa introdução serve apenas para mostrar unidade dentro da alcateia, sua hierarquia e suas leis.

Em pouco tempo, o roteirista já mostra qual será o conflito principal para Mogli. A crise de “espécie” que o garoto tinha na animação é descartada para apresentar um desenvolvimento da descoberta e aceitação de Mogli como homem. Isso se dá pelo uso de instrumentos, algo que nenhum dos animais sabe manipular nesse universo, já deixando clara a distinção entre Mogli e os bichos. Entretanto, a alcateia não admite que a natureza humana – representada pelos instrumentos, do garoto desperte. É um conflito muito interessante que é satisfatoriamente desenvolvido ao longo do filme com a participação de Balu ser vital para a evolução dele nesse sentido.

Ao contrário do filme original, é Mogli quem é plenamente trabalhado – Balu é explorado em menor escopo. Dessa vez, boa parte dos personagens clássicos tem um propósito narrativo melhor exposto seja com Kaa, Rei Louie e Shere Khan. Porém, graças a isso, paradoxalmente, o protagonista se comporta como uma bolinha de pinball. É jogado a diversos cantos a cada cena com pouquíssimo poder de escolha como se ele não pensasse muito por si só.

Nisso, entram os equívocos de Marks, tanto na história como na releitura de um personagem muito querido: Balu. Apesar de manter a filosofia de vida despojada do urso, o roteirista altera a essência da relação da amizade com Mogli. Uma das amizades mais puras que o Cinema já nos trouxe é repleta de segundas intenções e manipulação. Obviamente, isso acaba afetando a experiência do espectador que já viu ao filme original. Nisso, complica-se a transformação de Balu em um ser responsável, paternal.  Com Baguera, nada muda, o personagem ainda segue como um exemplo de responsabilidade, mas Marks pouco se importa em agregar um conflito ou mais complexidade à pantera. Os elefantes de Coronel Hathi são imbuídos de significado religioso servindo apenas como muleta de conflito à Mogli, nada de muito especial ou criativo.

Entretanto, novas características foram bem-vindas para Kaa e Rei Louie, ambos funcionam como antagonistas ameaçadores e cheios de malícia. O discurso genocida e desejo em manipular o fogo – elemento, este, que é citado incessantemente durante o longa, de Louie é intocado, mas muito melhor argumentado, além de receber um tratamento muito interessante de máfia italiana misturada com um déspota repleto de tesouros inúteis.

Esse cuidado com os personagens também atinge Shere Khan que absolutamente rouba a cena a cada sequência dedicada a ele. Um backstory é criado, sua motivação é mais genuína, seu ódio, mais evidente. Uma pena que as escolhas de Marks para desenvolver a caçada à Mogli tomem rumos inesperados e incoerentes com o discurso do vilão que faz uma aposta muito alta para cumprir seu objetivo. Seus diálogos são bem construídos, em particular, ainda que um deles aposte já na velha metáfora cliché sobre o ninho dos cucos. Já o desfecho do filme também peca por destruir parte do trabalho do protagonista, além do já tradicional embate final em cliffhanger assim como com Mulan ou Tarzan.

A proposta de Jon Favreau é audaciosa: adaptar uma fábula repleta de animais fantásticos em live action. Porém, esse sonho torna-se realidade graça ao poderio monstruosa da tecnologia de computação gráfica que diversas companhias apresentaram em comunhão com a Disney. Em técnica, o filme é estupendo, praticamente impecável.

Favreau realmente demonstrou um grande amadurecimento criativo em Mogli. Ele trabalha a ação de forma realista em grande maioria, não tem medo de caminhar sua atmosfera para tons bastante sombrios, coloca elementos pesados nas entrelinhas, além de tratar, esteticamente, Mogli como um verdadeiro menino da selva. Ele é marcado por arranhões, sujeira, cortes, cicatrizes e até mesmo sangra em algumas cenas. Favreau sabe construir bem a tensão ao colocar o garoto em risco em diversos momentos o que torna todo esse universo mais crível.

Além disso há toda a criação visual de extrema exuberância e cuidado com detalhes. Todo o cenário é vivo, pulsante, vibrante, repleto de cores. Sua decupagem e movimentação de câmera aproveitam isso tudo. Acaba sendo muito mais plural que As Aventuras de Pi, outro filme de proposta similar, graças as constantes trocas de cenários. É fácil se encantar pela imponência da floresta, do templo abandonado de Rei Louie ou da selva sombria de Kaa. Há até mesmo um belíssimo time lapse que remete às construções visuais de Darren Aranofsky em Noé. Fora isso, seu tratamento para com Mogli é muito mais direcionado para a interpretação de Rousseau do “bom selvagem”.

Os poucos deslizes que Favreau comete são graves justamente ao tentar prestar homenagens ao filme original. O que deveria ser uma passagem marcante, vira um infeliz tiro no pé. Isso se dá na inclusão das duas únicas canções que retornam: Bare Necessities e I Wanna Be Like You. O encaixe não funciona de forma alguma, além de serem sequências muito limitadas, nada criativas, por conta até da fisiologia dos personagens, agora “realistas”. Acaba deixando toda a atmosfera estranha e fora de lugar. Era melhor deixar as canções restritas aos créditos finais que prestam uma homenagem mais inteligente à animação.

Entretanto, a pior característica é restrita à nossa versão nacional da película: a dublagem brasileira. Ao escolher atores famosos ante os profissionais que redublaram há pouco tempo o filme de 1967, a Disney acabou prejudicando muito dois dos personagens: Balu e Mogli. Já com uma performance fraca, por vezes caricata, de Neel Sethi, o garoto consegue sair prejudicado pelo talento nacional de sua voz muito alheia ao drama que se passa em tela, artificial ao extremo da performance de Arthur Valadares. A dublagem de Mogli só não é a pior do filme por conta de Marcos Palmeira que passa a impressão de um Balu lesado por conta de sua fala arrastada, monótona que não colore ao menos uma mísera variação relevante em seus tons de voz. É difícil ter empatia por um urso tão alheio de tudo ao seu redor.

Este novo Mogli: O Menino Lobo é um marco para o nosso cinema de hoje, pois deixa bem claro para onde a indústria caminha. Filmes repletos de efeitos visuais estonteantes que chegam a limar a presença física do ator em set e de adereços físicos de design de produção. Explorando coisas novas, trazendo um conflito diferente para o protagonista com bom espirito de aventura sem medo de exibir cenas mais sombrias, além da inevitável mensagem ambientalista, o remake peca pouco com erros triviais e por preguiça de investir mais em seus personagens coadjuvantes, principalmente Baguera. O grande espetáculo aguarda uma nova geração que provavelmente sairá encantada com essa história atemporal de Kipling e Disney, porém creio que não substituirá tão facilmente a memória afetiva daqueles que cresceram com o belíssimo clássico de 1967.


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