Crítica: Capitão América - Guerra Civil | Irmãos Russo

Capitão América: Guerra Civil (Captain America: Civil War, EUA, 2016)
Direção: Anthony e Joe Russo

Roteiro: Christopher Markus e Steven McFeely
Elenco: Chris Evans, Robert Downey Jr., Scarlett Johansson, Sebastian Stan, Don Cheadle, Anthony Mackie, Jeremy Renner, Chadwick Boseman, Paul Bettany, Elizabeth Olsen, Paul Rudd, Emily VanCamp, Tom Holland, Daniel Bruhl, Martin Freeman, William Hurt, Frank Grillo, Marisa Tomei, John Kani, John Slaterry
Duração: 147 minutos
Classificação
Sinopse: Após os eventos de Capitão América: O Soldado Invernal e Vingadores: Era de Ultron, com a equipe de Steve Rogers sendo repreendida após uma missão terminar com a morte acidental de civis. Isso é o estopim para que o General Ross  apresente ao Capitão e todos os demais Vingadores o Tratado de Sokovia, que colocaria todos eles sob vigilância e registro do governo, tendo uma limitada liberdade para agir. A decisão provoca uma rixa no grupo, especialmente na figura de Tony Stark , que lidera a defesa pelo Tratado enquanto Rogers a recusa, ainda mais por seguir em sua busca pelo amigo Bucky.




Resenha (contém spoilers)

O 11 de setembro de 2001 e seus desdobramentos geopolíticos não mudariam apenas a nossa percepção de segurança, incutiriam a paranoia com o terrorismo e alterariam significativamente as relações dos países do mundo inteiro. A data histórica mudou também a arte, seja na literatura ou no cinema. Filmes de ação se centrariam mais em assuntos como segurança nacional, guerra no estrangeiro ou teorias de conspiração. Nessa onda veio a trilogia Bourne, Guerra ao Terror, O Reino, Salt, Transformers, Cloverfield, Código de Conduta e até mesmo Homem de Ferro.

Não somente o cinema de ação e espionagem foi mudado, mas também as histórias em quadrinhos que acompanharam de perto todo o fervo e o medo gerado pelas políticas pós 11 de setembro. Isso tange principalmente à Marvel que já apresentava uma linha editorial muito atenta aos acontecimentos do mundo real para transportá-los para as suas fabulosas histórias em quadrinhos.
O próprio debate em torno do polêmico Ato de Registro é inspirado diretamente pela Lei Patriótica (USA PATRIOT Act), um conjunto de medidas sancionadas por George W. Bush imediatamente após o 11/09 que permitiu o Estado americano investigar quaisquer indivíduos que tivessem a menor suspeita de estarem envolvidos com terroristas sem qualquer autorização da Justiça. Algo que obviamente põe em risco às liberdades civis da população.

Ainda alinhado ao espectro político e também aproveitando os desdobramentos de Guerra Civil, a editoria ainda conseguiu extrair mais histórias de cunho político como Invasão Secreta que toca o forte sentimento de paranoia com o inimigo vivendo em seu próprio território, além de Reinado Sombrio para enfim se afastar mais de temas realistas, próximos aos leitores, com Era Heróica – uma fase que também é relacionada com o mandato de Barack Obama na presidência.

Toda a saga Guerra Civil das histórias em quadrinhos foi algo pensado com meticuloso cuidado, totalmente antenada com as atmosferas políticas conturbadas do país servindo muito bem como um retrato histórico da primeira década do novo milênio. Quando a Marvel Studios anunciou Guerra Civil em 2014, gerou uma grande expectativa para ver já algum indício de cisão entre Tony Stark e Steve Roger em Era de Ultron, algo que não aconteceu. Agora, há poucos dias, os irmãos Russo disseram que o anúncio de Batman Vs Superman certamente colaborou para que a Marvel se movesse e pensasse em colocar seus principais heróis em rota de colisão rapidamente nas telonas. Visto que o anúnico de Guerra Civil se deu quinze meses depois de BvS, eu não duvido disso. Nada mais justo, afinal a Warner/DC também se moveu para construir um universo cinematográfico por conta dos trabalhos da Marvel.

Com tantos desastres causados pelas ações dos Vingadores, os líderes mundiais representados na ONU decidem que chegou a hora de acabar com a liberdade de ação desses heróis os obrigando a assinar o Tratado de Sokovia. Porém o Capitão não concorda em agir como uma milícia superpoderosa para governos que seguem agendas e ideologias que estão em constante mudança. Não quer virar um mercenário. Ao contrário de Tony, abalado desde a Batalha de Nova Iorque, que reconhece ser preciso responder por suas ações para partes superiores. A cisão não gera conflito físico direto, mas os ânimos começam a se acirrar.

Porém, os roteiristas não continuam a investir nisso no segundo ato. Com a explosão de um prédio onde está instalada a comissão do Tratado durante o começo da reunião, todos temem uma retaliação maior. Tudo fica ainda mais complicado quando surge a suspeita de que o responsável pelo atentado seja Bucky Barnes, o infame Soldado Invernal. Acreditando na inocência do amigo, Capitão reúne seu time e parte em busca de Bucky tentando protegê-lo de esquadrões policias e da equipe já regularizada de Tony Stark que recebem ordens para matar o antigo amigo do protagonista. Nos bastidores, ajudando a alimentar o fogo do conflito entre as duas partes há o antagonista verdadeiro da história, Zemo.

É estranho notar como McFeely e Markus conseguem criar um primeiro ato excelente e desenvolver tão bem os muitos personagens presentes na jornada enquanto erram ao pedir tanto da nossa suspensão da descrença em relação ao plano de Zemo que é um dos mais mirabolantes que o cinema da Marvel já nos trouxe, além de manter muitas coisas dentro da zona de conforto que não cabia em uma história de potencial dramático e reflexivo como este.

O maior trunfo do filme, sem dúvidas, vem sobre o discurso sobre a vingança refletida em Zemo, Tony e, principalmente, Pantera Negra. Guerra Civil é uma lição de coesão para firmar uma história de origem com o herói wakandano. É ótimo o modo simples como eles estabelecem a relação entre o simpático Rei T’Chaka com T’Challa. Ali é inserido o ponto que justifica a transformação da jornada dele de vigilante para herói em uma linha diálogo que apresenta a vontade do rei em ver o filho aprender a fazer diplomacia como um grande governante deve fazer. Por marcar o carinho entre os dois, a morte do personagem é sentida e o sofrimento de T’Challa tão bem apresentado por Chadwick Boseman é crível.

O ódio dele é tanto que praticamente somente o Pantera Negra ataca para matar, porém só tem sede de vingança por Bucky acreditando que ele seja o assassino de seu pai. Apesar deles inserirem muito arbitrariamente o personagem no clímax do longa na Sibéria, faz perfeito sentido para completarem a transformação dele no filme. Lá ele descobre que todo o atentado fora orquestrado por Zemo. Com isso a vingança contra Bucky acaba afinal ele é inocente. No fim, eles dedicam uma cena onde T’Challa conversa com o vilão, abandonando o ódio ao abraçar a diplomacia como seu pai desejava. Ele prende o sokoviano, não como Pantera Negra, o vigilante, mas sim como rei T’Challa, o diplomata.

Claro, cai na velha (e clichê) máxima “a vingança não compensa, mata a alma e envenena”, mas é coerente durante o filme inteiro, apenas na segunda luta, no aeroporto, entre Bucky e Pantera os roteiristas patinam em criar linhas de diálogo que façam sentido. Bucky fala que não matou o pai de T’Challa e ele indaga “por que você fugiu então? ”. Bom, se tivesse um cara vestido de pantera borbulhando de raiva correndo atrás de mim, admito que também fugiria.

Mesmo sendo um filme do Capitão América, quem brilha mesmo é o desenvolvimento de Tony Stark e a performance excelente de Robert Downey Jr encarnando o herói com uma energia que tinha sumido em Era de Ultron. O ator consegue expressar todo o nervosismo, insegurança e mágoas que o personagem vem acumulando desde Os Vingadores culminando tudo aqui. Os roteiristas apresentam bem diversos remorsos gerados pelas escolhas egoístas de Tony como no excelente pseudo flashback onde o magnata revisita a última ocasião na qual esteve junto de seus pais. Depois, já sugerem que o relacionamento dele com Pepper acabou. Para então adaptaram a famosa passagem do cuspe na HQ, mas diminuindo muito o teor expansivo. No filme Tony apenas é confrontado por palavras duras, sentindo novamente o peso na sua consciência. Fora que passa a lidar com a culpa de ter criado Ultron – logo sente ainda mais o dano colateral da intervenção em Sokovia já que tudo parte de um homem só. Detalhe que esse pesar era inexistente em Era de Ultron onde Tony sempre se expressava com ironias, sarcasmo e piadinhas estúpidas. Enfim, o personagem amadurece. Pela primeira vez, o universo Marvel aborda a impotência de seus super-heróis.

Nessa sequência avassaladora de eventos, a motivação de Tony em assinar o Tratado torna-se genuína dentro do filme, porém vejo uma expiação de responsabilidade e desencargo de consciência ao assinar o acordo. Talvez permaneça a figura de um Homem de Ferro egoísta, pois assinar um papel e virar inaugurar uma OTAN superpoderosa não vai evitar o dano colateral que tanto assombra Stark.
Nesse ponto, no primeiro ato, realmente não há um lado certo ou errado ao entendermos bem a motivação de cada um, apesar de eu concordar mais com o Capitão América que também apresenta boas motivações para firmar sua posição. Os roteiristas dedicam ao menos uma cena para trazer o viés político da HQ para as telonas, mas isso logo é abandonado quando a ONU explode e jogo deixa de ficar dividido entre pró vs contra registro, mas sim em caçar vs defender Bucky.

A dúvida sobre a responsabilidade do Bucky como o autor do atentado é respondida rapidamente. Aliás, é impressionante o modo muito conveniente e preguiçoso dos roteiristas em solucionarem rápido um conflito que já vinha desde O Soldado Invernal: encontrar o paradeiro de Bucky. Uma rápida dica do interesse romântico de Steve, a agente Sharon Carter, é tudo o que precisa. Aliás, muito me incomoda a ausência bizarra de Maria Hill e Nick Fury nesta aventura.

Logo descoberto que o ex-agente da Hidra é inocente e que tramaram para ele, instantaneamente só há um lado certo, o do Capitão. Afinal, é coerente matar ou perseguir alguém por um crime que ele não cometeu? Ou prender uma pessoa que praticava crimes sob a influência de uma lavagem cerebral? Apesar de já limar a dualidade presente na HQ, o filme ganha nesse aspecto, pois dialoga diretamente com o espectador e seu senso de justiça. Nesse caso, nos tornamos ativos e tão logo faz com que tenhamos simpatia por Bucky já que os roteiristas trabalharam pouco a relação da amizade entre Steve e Barnes ao longo desses três filmes. Então há essa motivação que guia o Capitão em ser um representante nato da justiça mesmo que saibamos que é a amizade o fator de maior peso para o personagem, além de representar o último elo que ele possui com seu passado em 1940.

Já sobre a motivação de outros personagens, boa parte deles é bem definida. Visão se apropria sobre a responsabilidade que o grupo tem sobre os ombros, Rhodes já é um representante do governo americano que apoia o Tratado, Viúva Negra também sofre com o pesar dos danos colaterais. E Pantera Negra se une aos outros durante a caçada ao Soldado Invernal. O único a ficar do lado do Capitão nesse momento é Falcão que sempre apoia o parceiro. Depois, o time de Steve aumenta com o Gavião Arqueiro, cuja presença tem uma justificativa nebulosa, com Homem-Formiga, uma participação gratuita de alívio cômico que funciona por deixar a ação mais interessante, e também com Wanda que é mantida prisioneira dentro do complexo dos Vingadores por medo que a Feiticeira cause mais confrontos que resultem em morte – é resgata por Gavião Arqueiro antes da famosa luta no aeroporto.

É impressionante a habilidade dos roteiristas em edicarem tempos e cenas tão certeiras para cada um dos personagens coadjuvantes – algo que certamente remete à técnica de Joss Whedon em Os Vingadores. A interação entre eles é ótima. Vemos uma concepção do romance entre Wanda e Visão, daqueles amores puros e inocentes, há uma preocupação em fazer alguns embates intelectuais entre Tony e Steve, além de explorarem o bonito conflito que Natasha sofre ao se encontrar tão dividida entre o que julga correto ante a amizade com o Capitão, além das boas cenas dedicadas a mostrar sua sensibilidade e companheirismo com T’Challa. Fora isso, eles melhoram o vício irritante da produção dos filmes Marvel em inserir piadas em momentos inapropriados quebrando a tensão vide Homem de Ferro 3 ou Era de Ultron. Dessa vez é tudo mais equilibrado, as piadas estão entre as melhores de todos os filmes que já vimos deste universo e fazem sentido em boa parte das situações chegando a brincar até mesmo com filmes clássicos pertencentes à Disney como O Império Contra-Ataca. Porém, mesmo dosando na quantidade, algumas ainda quebram o drama como na cena onde Visão invade o quarto de Wanda enquanto ela reflete sobre o descuido em Lagos ou no velório de Peggy Carter.

Já com Homem-Aranha, a participação dele, a grosso modo, se resume a fan servisse. Não faria a menor diferença não o ter na narrativa, já que não chega nem perto de ter a relevância que tinha na HQ – também seria impossível fazer o mesmo neste MCU. Porém a Marvel já resolve rapidamente essa história de origem que foi contada e recontada em duas décadas diferentes. O público já sabe de tio Bem, picada de aranha, escalar paredes etc.

Então com isso já estabelecido, temos a adaptação mais interessante e fiel ao personagem até agora nas telas de cinema. Isso se dá através de um diálogo com Tony Stark que revela toda a ética do personagem – sobre ser jogador de futebol antes e depois da picada radioativa. Sua motivação, todavia, é mais complicada. Mesmo que ele admire o Homem de Ferro, toda a problemática envolvendo Parker para que ele entre na lute se resolve quanto Stark ameaça contar à tia May seu maior segredo. Além de ser chantageado, Parker aceita a bolsa de estudos de Stark. Também há a sugestão muito bizarra de um romance entre Tony e tia May.

Tom Holland encarnando Peter Parker e Homem-Aranha é a união do que havia de melhor nas performances de Tobey Maguire – um bom Peter Parker, e de Andrew Garfield – um Homem-Aranha mais divertido e próximo da natureza do personagem. Holland mostra pouco, mas já é possível dizer que ele não decepcionará em seu filme solo. Temos o verdadeiro cabeça de teia tagarela e despojado dos quadrinhos finalmente nos cinemas. O figurino inspirado nos traços clássicos de John Romita Sr. e Steve Ditko só colabora para essa impressão.

Acertando muito nesses pontos, os roteiristas começam a tropeçar bastante no segundo e terceiro ato e também no plano mirabolante de Zemo. O vilão desempenha exatamente o mesmo papel de Lex Luthor em Batman v Superman, algo que pelo jeito tem potencial de virar um clichê do gênero, além de eximir boa parte da responsabilidade dos próprios heróis a se confrontarem. Tudo é feito visando o elemento maior.

Também o nome “Zemo” não serve de absolutamente nada. O personagem não é nazista, não é da Hidra, não é um exímio espadachim e sua estratégia abusa da sorte e no acaso. Não faria a menor diferença se tivessem colocado outro nome para o antagonista, poupando o verdadeiro Barão Zemo para um próximo filme, afinal quase todos os vilões do Capitão América são excelentes.
É conveniente demais que ele saiba esconderijos de agentes da Hidra, justamente o qual onde se encontra o caderno vermelho que possui os segredos para controlar o Soldado Invernal por meio de palavras-chave. Também contar com uma falha do grupo em conter o dano colateral causado por Ossos Cruzados que funciona como um vilão da semana para resultar no início da cisão do grupo é algo complicado. Além disso, há a quebra da lógica interna do MCU quando ele diz que trabalhava para Bucky e não para o que restou da Hidra, algo que vai contra os eventos finais de Soldado Invernal onde Barnes já toma conhecimento de que há algo de errado com sua cabeça.

Então há toda a história da explosão na ONU onde alguém disfarçado de Bucky arquiteta o ataque terrorista – esse é alguém, subentendesse que seja Zemo, para então iniciar essa caçada insana ao ex-agente que enfim rompe os Vingadores de vez. Depois, descobre, magicamente, onde prenderiam o indivíduo em Berlim e que também o interrogariam através de um psicólogo – o qual ele mata e ganha acesso instantâneo a cela de segurança máxima que, ironicamente, não checam nem a foto do crachá do cidadão que conduzirá o interrogatório. Para então causar um blecaute a fim de realizar outra lavagem cerebral em Bucky ao falar as palavras mágicas do livro vermelho para descobrir o relatório da missão em dezembro de 1991 que resultou na morte dos pais de Stark.

Então ele foge deixando Bucky em seu estado psicótico onde ocorre outra luta resultando no retorno à personalidade pacífica do Soldado Invernal após ele bater forte com a cabeça no vidro do helicóptero – para os filmes da Marvel só um jeito de livrar alguém de um controle mental de terceiros: uma bela concussão. Para o plano dele dar certo, ele já contava com isso, além de esperar que Bucky falasse para o Capitão que há mais soldados invernais em uma base secreta na Sibéria, lugar para onde Zemo foge.

Logo há toda a batalha do aeroporto que, apesar de ótima, é muito mal encaixada dentro da narrativa, afinal nós descobrimos que o Capitão está atrás do Quinjet apenas quando ele realmente corre para o hangar que guarda o avião, além de nunca haver quaisquer justificativa que Tony Stark saiba que o grupo de Steve se dirigiria para lá também visto as milhares de possibilidades que ele poderia usar para fugir de Berlim. O modo como os heróis do time de Stark chegam na luta também é bizarro sendo que Pantera Negra praticamente cai do céu, além da razão de Visão estar ausente em boa parte da luta sempre estando mais na defensiva do que atacando o grupo oponente.
A luta também colabora em acabar de vez com a lógica diegética sobre os poderes psíquicos de Wanda, afinal, não é nada coerente fazê-la falhar, sozinha, em conter uma explosão quando minutos depois eles a fazem subjugar Visão com certa facilidade – um dos heróis mais poderosos desse universo, o jogando milhares de metros abaixo do solo para então ela conseguir conter toneladas de concreto permitindo a passagem de Bucky e Steve até o hangar onde está o Quinjet. Ao menos nesse segmento, ela é afetada por um elemento externo para interromper a poderosa telecinese.

No desfecho, Capitão e Bucky fogem para a Sibéria e Stark prende a maioria dos oponentes. Indo até lá descobre que o amigo falava a verdade sobre terem armado uma cilada para o Barnes – é curioso como os roteiristas tentam resolver essas desavenças no diálogo, mas fazem o personagem mais racional do MCU virar um dos mais impacientes e furiosos nesse filme. No meio disso, há um ótimo momento onde o grupo de Tony é obrigado a conviver com o primeiro dano colateral causado por eles próprios em outro integrante, Máquina de Combate. O resultado da paralisia de Rhodes, já dá indícios de que Visão esteja se tornando cada vez mais humano e, portanto, falho. Depois do bom drama, ao descobrir sobre a Sibéria, Tony se dirige para a base secreta. T’Challa, que apenas surge no meio das nuvens, segue o herói.

Aí que entra a maior conveniência para Zemo, pois apostar que Stark fracassaria em conter Steve e depois que ele fosse descobrir sobre a Sibéria e se dirigir para lá a fim de causar o conflito final é algo bastante absurdo. Então os três se encontram e descobrem que Zemo já tinha matado todos os outros soldados invernais, pois seu objetivo é mostrar uma fita, em privado, para o grupo que revela que o assassino de seus pais não é ninguém menos que Bucky Barnes. Ao menos aqui entra algo legal que põe em cheque a moralidade do Capitão América por não contar isso a Tony, um fato que já tinha conhecimento disso desde O Soldado Invernal.

Porém o motivo do embate, levando em conta que Tony já sabia que Bucky agia sob a influência de lavagem cerebral, se torna uma experiência completamente subjetiva para quem assiste. Mesmo que seja genuíno, não vejo como o personagem mais racional desse universo reaja da mesma forma que o Hulk agiria. Para mim, não cabe. Porém isso rende o momento mais dramático e relevante de todos os filmes até então onde vemos uma luta que ambos quase se matam.

Finalmente é revelada a motivação de Zemo para o espectador e surpreendentemente é genuína o colocando diretamente no topo dos melhores vilões que o MCU já nos trouxe – um feito nem tão difícil. Mais uma vez a culpa disso tudo cai nos colos de Stark, ainda que indiretamente, já que o vilão é impulsionado pela vingança da morte de sua família durante a Batalha de Sokovia. Reações diferentes do mesmo dano colateral, o sacrifício para o bem maior – uma jogada inteligente dos roteiristas. Já sobra a atuação de Daniel Bruhl, sabendo da capacidade do ótimo ator, não há esforço além do necessário para apresentar seu Zemo.

O desfecho disso tudo não deixa de ser decepcionante. Temos uma guerra na qual ninguém morre, além de não causar a ruptura intensa que era esperada por causa da carta reconciliadora e do celular que Steve envia à Tony após a luta quase mortal. Deixar claro que os Vingadores Secretos não estão a mais do que uma chamada telefônica de distância é um reducionismo muito confortável. Algo que transforma o Homem de Ferro no prefeito de Townsville e celular em sua linha direta com a casa das meninas superpoderosas para pedir socorro em momentos de necessidade. Fora isso há a bizarra cena onde Steve salva todos os amigos presos na Balsa que dá o toque final do otimismo visado na companhia.

Para tocar esse Titanic é preciso muita coragem e habilidade em respeitar um cronograma tão rígido. Os irmãos Russo me surpreenderam, afinal sair de um Dois é Bom, Três é Demais para dez anos depois dirigir um Guerra Civil é preciso de segurança e confiança no próprio trabalho. Realizam mesmo um verdadeiro trabalho espetacular, mas que não deixa de tropeçar em algumas pequenas coisas.

Esses tropeços se restringem apenas em duas características, creio. A primeira é na manutenção da decupagem problemática da ação que já vinha desde O Soldado Invernal em algumas cenas. A ação muito picotada, repleta de câmeras “nervosas” e também pela velocidade altíssima do obturador da câmera resultando um efeito inorgânico nas ágeis movimentações dos personagens em cena distribuindo pancadaria. Esse efeito do obturador rápido deixa a ação mais dinâmica, pois retira o rastro natural que o movimento ocasiona quando ele está na velocidade normal. Entretanto, isso aliado a tantos cortes rápidos geram esse estranhamento. Algo que não havia ficado bom no filme anterior e que também não melhorou em nada a primeira cena de ação do filme.

Já nessa mesma sequência somos introduzidos a uma irritante mania de inserir legendas gigantescas para informar em qual cidade se passa a ação – algo que permanece no restante do filme inteiro. Temos LAGOS, BUCARESTE, VIENA, BERLIM, QUEENS! Ao menos é impossível duvidar da eficiência do efeito já que me lembro de todas as cidades que compõe o grand prix de Guerra Civil.
Tirando isso, há somente acertos. A ação comporta-se de modo mais clássico com movimentações elegantes, além de ser uma das mais imaginativas que já pude conferir em filmes de super-heróis. Os dois sabem muito bem como fazer a equipe usar seus poderes sempre cooperando um com o outro ou durante a fantástica luta entre eles no aeroporto – resquícios do trabalho de Whedon em Os Vingadores.

O auge da técnica é, obviamente, a sequência do aeroporto que é dividida em duas partes: o confronto segmentado para seguir para uma batalha de duas frentes definidas. Em primeiro momento, a andamento é perfeito. Saímos de uma luta para entrar em outra a partir da montagem tão bem executada. Temos diversos conflitos inéditos com Gavião Arqueiro vs Homem de Ferro, Homem-Aranha vs Falcão e Soldado Invernal, Homem-Aranha vs. Capitão América, Gavião Arqueiro vs. Pantera Negra, Homem-Formiga vs. Máquina de Combate e Homem de Ferro entre tantos outros. É absolutamente mágico. Sim, é mágico, de encher sua criança interna de alegria. Ver tantos personagens se digladiando de modo tão bem executado e inteligente a respeito do uso dos superpoderes é algo absolutamente indescritível. Quisera eu ter a mesma idade que tinha quando vi Homem-Aranha pela primeira vez com este Guerra Civil. Admito que teria saído alucinado do cinema querendo comprar todos os bonequinhos para recriar a luta em casa.

Na segunda metade, a ação se torna ainda melhor. Ainda há a manutenção clássica da divisão de ação que ocorre do mesmo modo que nas HQs ao acompanharmos mais duelos entre pequenos grupos, porém há um festim digno das páginas duplas de George Pérez quando as duas partes se alinham uma em frente a outra e partem, correndo, para a luta. Os Russo realmente criaram o momento mais épico que já conferimos em filmes do gênero. Nesse segmento, poderiam sustentar mais o plano ou terem arriscado um plano sequência, porém a pressa em finalizar o filme não possibilitou isso. Além de épica, poderia ter se tornado uma sequência histórica também na técnica cinematográfica. Espero que vejamos algo tão fabuloso e melhor construído com a Guerra Infinita.

Mesmo sendo uma sequência tão bem-feita, há um certo incomodo que a afeta negativamente. Pela intensidade da ação ou da violência segura, nunca há uma apreensão ou sugestão de uma possível morte ali. As duas frentes lutam sem a intenção de matar ou incapacitar uns aos outros. As interações em diálogos, em sua maioria, bem inseridos deixam isso claro pelo teor cômico e amistoso. Aliás, é exímia a perspicácia que os irmãos têm ao inserir a maioria das piadas ao longo do filme. Excelente timing.

No clímax, durante a última luta entre Capitão América e Homem de Ferro, os Russo simplesmente atingem a perfeição da câmera clássica e da ação contemplativa abandonando completamente o estilo que eles apresentaram no começo do filme e em Soldado Invernal. A coreografia da luta é muito mais violenta que a do aeroporto, a conversa é mínima, a trilha musical de Henry Jackman cresce e se torna mais relevante e a iluminação de Trent Opaloch aposta mais nos efeitos sombrios da contraluz moderada. É a atmosfera perfeita para a tragédia anunciada. O momento tão esperado que nunca chega: a morte de Steve Rogers. E olha que a coreografia da luta permitiria isso com facilidade.

Mesmo que isso não aconteça, os Russo acertam ao transpor duas imagens muito impactantes da arte original feita no auge do talento de Steve McNiven: a emblemática imagem do Capitão se protegendo com o escudo dos raios que partem dos propulsores do Homem de Ferro. A outra ocorre quando o Capitão ataca sucessivamente o capacete de Tony enquanto ele está deitado, já derrotado. Na HQ, nota-se a intenção assassina de Rogers, algo que não é presente na versão cinematográfica. Porém, levando em conta a história que nós já partilhamos com esses personagens por tantos anos de nossas vidas, não deixa de ser uma cena extremamente triste. Principalmente o seu desfecho que contempla o Tony Stark mais só e magoado até agora.

Enquanto os Russo se viram bem com a decupagem complicada envolvendo uma gravação a partir de seis câmeras para finalizar a fotografia principal mais rapidamente – o normal em Hollywood é se gravar apenas com uma, os inúmeros escritórios de efeitos visuais apresentam um desempenho muito inconstante principalmente na computação gráfica dedicada a armadura de Tony Stark. Por ora muito bem-feita para depois perder a textura em outra cena. Ou no pior efeito do filme onde uma carreta prática é substituída por uma digital logo nos primeiros minutos de projeção.

Capitão América: Guerra Civil é, sem a menor dúvida, uma das melhores obras que a Marvel já nos trouxe. Infelizmente sofre de problemas muito parecidos do filme apresentado pela distinta concorrente. O fato de apenas um mês de intervalo entre suas estreias só colabora para deixar isso em evidência. Verdade seja dita, ambas as empresas erraram ao trazer essas histórias-combate tão cedo para os cinemas.

Com mais tempo para desenvolver a amizade de Bucky, deixar os heróis Marvel provarem um pouco da glória e reconhecimento da população mais enfaticamente, agregarem mais personagens aos seus universos cinematográficos, delinearem cada vez mais diferenças entre o Capitão e Tony Stark seriam características muito bem-vindas. O primeiro filme da Fase 3 poderia ser facilmente o longa pré-Guerra Infinita, incutiria muito mais ameaça e vulnerabilidade para esse universo diante o terror que Thanos promete provocar. Agora com mais cinco filmes até chegarmos no clímax dessa fase, isso dificilmente deve acontecer do mesmo modo. De uma forma ou de outra, recebemos a morte de um sonho: a Marvel não mexerá em time que está ganhando nem que seja para gerar um efeito dramático memorável.

Entretanto, verdade seja dita, este é filme é uma obra divertidíssima, de fácil consumo e que dificilmente desagrada. Um longa que não cansa mesmo com seus 147 minutos de duração. Quem procurou uma diversão descompromissada, certamente encontrou o que estava procurando. Fora isso, testemunhou pela primeira vez tantos personagens queridos reunidos em um filme só. A Casa das Ideias fez magia duas vezes em artes distintas apresentando uma de suas histórias mais importantes. Algo que somente a Marvel mostrou capacidade de fazer até agora.

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