Crítica: Invocação do Mal 2 | James Wan



Invocação do Mal 2 (The Conjuring 2, EUA - 2016)
Direção: James Wan
Roteiro: Carey Hayes, Chad Hayes, James Wan, David Leslie Johnson
Elenco: Patrick Wilson, Vera Farmiga, Madison Wolfe, Frances O'Connor, Lauren Esposito, Benjamin Haigh, Patrick McAuley, Simon McBurney, Joseph Bishara, Bob Adrian, Franka Potente
Duração: 133 min
Classificação: 
Sinopse: Trata-se da assombração de Enfield que acometeu a casa rudimentar onde morava a família Hodgson. As assombrações começam depois de uma das quatro crianças Hodgson ter brincado com um tabuleiro ouija. Com o avanço violento da infestação paranormal, o especialista em poltergeists, Maurice Grosse contata os Warren para solucionarem o sinistro caso e devolverem paz à família suburbana. Porém, ao chegarem lá, se deparam com um espírito que ameaça a própria vida do casal.





RESENHA

O gênero de terror é extremamente paradoxal – fácil de fazer, difícil de emplacar produtos de qualidade. Dá para contar nos dedos quantas obras verdadeiramente boas existem em cada uma das artes, seja na literatura ou no cinema. É como encontrar agulhas em um palheiro. Entre obras máximas como O Exorcista, A Profecia e O Bebê de Rosemary, o gênero já não recebia verdadeiros bons filmes há tempos. Tudo mudou quando o novato malaio James Wan apareceu no cenário cinematográfico com Jogos Mortais em 2004. Claro, não era a melhor técnica e se tratava de horror apelativo da vertente gore, porém nascia ali as experimentações de Wan. Passando pelo bom Sobrenatural em 2010 até chegar no refinamento ideal da técnica no excelente Invocação do Mal, o segundo filme de terror original que mais causou repercussão crítica e financeira desde O Exorcista. Obviamente, com o tremendo sucesso, a sequência logo foi encaminhada.

O time de roteiristas do filme levou a máxima “não se mexe em time que está ganhando” bastante à sério. Se o primeiro longa já trazia fórmulas narrativas consagradas vindas diretamente de O Exorcista, a sequência também não se atreve a mudar. A vantagem do filme anterior se dava no belo equilíbrio de cenas dedicadas ao terror quanto das destinadas para desenvolvimento de narrativa e personagens.

Felizmente, mesmo acompanhada de uma história ligeiramente mais fraca, a experiência geral do longa consegue ser tão boa quanto a do anterior. O time de roteiristas se preocupa em oferecer uma apresentação decente da menininha Janet interpretada impecavelmente por Madison Wolfe. Como a assombração se concentra nela, há um desenvolvimento nítido até o fim da jornada com o desgaste emocional, físico e psicológico que a garota sofre. Também, trabalhando com firmeza em características reais do caso, vemos uma família fragilizada, sem a presença protetora paterna, com dificuldades financeiras, com alguns filhos doentes e carentes, além da presença da mãe ser restrita pelas horas de trabalho. Muito do que citei são características que não são levadas adiante através de um bom drama, mas que já fundamentam bem a vulnerabilidade dos Hodgson, apresentam esse cenário complicado nos originando a tão estimada afeição na relação espectador-personagem.

Além disso, há boa preocupação em atentar ao núcleo narrativo dos Warren, antes deles entrarem efetivamente na investigação paranormal, claro. Assim como a família inglesa, Lorraine se encontra bastante vulnerável por ter que lidar com uma presença demoníaca fortíssima que a incomoda profundamente quase a levando a desistir de sua vida profissional –esse arco vem do filme anterior, aliás. A atenção para a vida pessoal do casal é interpolada organicamente com o outro núcleo, sendo que, inclusive, somos apresentados como a mídia sensacionalista importuna tanto a vida do casal quanto a família londrina. Aliás, algo raro de se ver em filmes de terror, é algum desenvolvimento do antagonista. No caso, do fantasma. Surpreendentemente, o resultado é interessantíssimo conseguindo trazer até certa dose de humor para o filme.

Algo que já era original do antecessor, retorna com mais força aqui. Os roteiristas e Wan conseguem guiar algumas cenas para terrenos mais leves, cômicos ou até mesmo românticos, momentos destinados para a narrativa respirar. Nessas cenas inspiradas, temos diálogos excelentes de Lorraine com Janet sobre como lidar com o tipo de maldição que assola a família, além de originar uma sequência em montagem ao som das canções de Elvis Presley.

Porém, nem tudo dá certo no roteiro de Invocação do Mal 2. Justamente nessa febre e obsessão de sequências maiores, mais graves e mais urgentes, as sutilezas de outrora se perdem. A presença da figura do produtor é sentida nitidamente, afinal o orçamento mais gordo do longa se iguala ao sacrifício criativo o guiando para terrenos de fácil consumo. Aqui, temos muitas sequências dedicadas ao suspense e ao terror. De tantas, algumas até acabam caindo na repetitividade ou inserem elementos que simplesmente não funcionam bem como o Conto do Homem Torto – uma cópia sem-graça de Babadook. Nisso, além de dilatar o filme onde não deve para inserir um horror de qualidade inferior, acabam sacrificando tempo de tela que seria mais adequado para aprofundar o arco de Janet e, principalmente, no clímax que diante de uma situação tão urgente e perigosa se resolve com extrema rapidez e facilidade.

Além dessa enorme dilatação com o excesso de cenas redundantes de assombração, há uma reviravolta final importante, mas que acaba um pouco prejudicada por conta do nosso ponto de vista onisciente característico em obras desse gênero.

Mesmo com o texto do longa vacilando em alguns momentos, a forma da obra supera com muita facilidade seu conteúdo. É inegável, com esse filme, James Wan crava definitivamente seu nome como um verdadeiro mestre do terror. A direção do jovem diretor é uma das mais elaboradas que eu já tenha visto em um filme do gênero. A predileção pelo estilo clássico de narrativa visual é sentida logo nos primeiros minutos através dos muitos e belos planos sequência que ele encaixa de tempos em tempos – mesmo que pouquíssimos deles sejam feitos em função da narrativa.

O domínio sobre a câmera é, literalmente, assustador. Mesmo inovando pouco, a firmeza de Wan sobre a encenação geral, movimentando lentamente a câmera via travellings ou panorâmicas bem inseridas, extraindo o máximo da expressão amedrontada convincente de seu elenco mirim que se move sob passos relutantes pelos cenários sombrios auxiliados pela iluminação de ponta do cinematografista Don Burgess, aliado ao uso correto do silêncio e com o visual horripilante da casa mal acabada, decrépita e hostil trazida pelo desenho de produção exemplar, é algo absurdamente funcional.

Com esse tipo de preparação de atmosfera, cheio de jogos de “mostra-esconde”, nos induzindo propositalmente à uma expectativa de um susto que se ausenta para logo depois escancarar seu jump scare bem elaborado, é impossível não sentir o medo desconfortável, o frio na espinha, a palma suada da mão em diversas das sequências. Muitas vezes, ele apresenta um jogo diversificado de encenação para que o público não consiga sacar os sustos com facilidade – eu, calejado em filmes do gênero, cai em praticamente todos. A técnica, mesmo refinada, é simples na concepção: trata-se da longa sustentação do plano que provoca a iminência do medo.

No terror, o poder do corte oferece um alívio da tensão para o espectador, justamente por isso, James Wan segura ao máximo que pode seus planos bem movimentados. Quando se vê obrigado a criar um jogo de plano/contraplano, aproveita para inserir zooms que conferem magnetismo no olhar do espectador, além de enquadrar muito sabiamente seus fantasmas e monstros nos pontos de fuga favoritos que buscamos na tela. Além disso, se já conferiu outros filmes do diretor, sabe que além da preparação da atmosfera, o diretor não sente vergonha de mostrar explicitamente as criaturas diabólicas presentes em sua obra – uma de suas muitas marcas autorais.


Aqui, ele apresenta dois dos momentos mais inspirados de sua carreira. Um jogo brilhante do uso de sombras e pinturas e outro, inspirado até mesmo em Paul Thomas Anderson, onde ele segura uma cena inteira somente com um plano quando Ed Warren se põe a entrevistar Janet e a entidade que assombra a casa. Aliás, referências não faltam à essa obra. Wan homenageia grandes filmes como A Profecia, O Iluminado e O Exorcista com características sutis que somente fãs do cinema de horror irão reconhecer. Há até mesmo experimentações novas com planos holandeses, enquadramentos muito característicos à linguagem dos quadrinhos – já treinando para seu próximo filme, Aquaman, além de brincar até com linguagem visual de games consagrados como Alone in the Dark e P.T. através de uma sequência apresentada através do ponto de vista subjetivo de um personagem. É simplesmente fenomenal.

Invocação do Mal 2 é uma obra fantástica que é digna do sucesso do original. James Wan tratou o longa com um carinho notável, elaborando sequências de realização complicada através de sua encenação inspirada. Consegue trazer uma boa história para o gênero contando com um elenco muito competente e carismático – Patrick Wilson e Vera Farmiga nasceram para o papel. Mesmo com muitos sustos, possuir um visual plástico muito bem-acabado, além da trilha musical afinada de Joseph Bishara, o longa derrapa em algumas poucas coisas sendo que boa parte delas se concentram ao já tradicional clímax histérico e fantasioso em demasia dos filmes do diretor – nesse caso, ainda há o agravante do uso de computação gráfica rudimentar. Provando que ainda há muito para contar da interessantíssima história do casal Warren, James Wan entrega o melhor filme de terror dos últimos anos. Depois de conferir a obra, garanto que cair no sono será uma tarefa difícil por algum tempo.


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