Resenha: Mentirosos | E. Lockhart



Título: Mentirosos
Editora:Seguinte
Autor(a): E. Lockhart
Nº de Páginas: 272
ClassificaçãoNenhum texto alternativo automático disponível.

Os Sinclair são uma família rica e renomada, que se recusa a admitir que está em decadência e se agarra a todo custo às tradições. Assim, todo ano eles passam as férias de verão numa ilha particular. Cadence — neta primogênita e principal herdeira —, seus primos Johnny e Mirren e o amigo Gat são inseparáveis desde pequenos, e juntos formam um grupo chamado Mentirosos. Cadence admira Gat por suas convicções políticas e, conforme os anos passam, a amizade com aquele garoto intenso evolui para algo mais.

Mas tudo desmorona durante o verão de seus quinze anos, quando Cadence sofre um estranho acidente. Ela passa os próximos dois anos em um período conturbado, com amnésia, depressão, fortes dores de cabeça e muitos analgésicos. Toda a família a trata com extremo cuidado e se recusa a dar mais detalhes sobre o ocorrido… até que Cadence finalmente volta à ilha para juntar as lembranças do que realmente aconteceu.

                                                                    RESENHA




Sabe um daqueles livros que você compra de besteira, sem querer? Só porque é movido(a) a uma vontade enlouquecida de sucumbir aos desejos de comprar mais e mais livros. A minha história com muitos livros é exatamente essa: estava entediada, com uma graninha sobrando e a Amazon ou o Submarino (que são os lugares em que mais compro) resolvem fazer alguma promoção relâmpago que além de me deixar louca, me faz comprar mais livros, mesmo que eu tenha uma pilha gigantesca de outros para ler. Acontece que Mentirosos foi um desses livros. E acontece mais ainda que, por um golpe muito bom de sorte, o livro é incrível.

Então eis que eu me apeguei à Mentirosos. O selo Companhia das Letras (editora Seguinte) trouxe a história de um grupo de adolescentes que, como diz a própria sinopse, se encarrega de originar o título do livro. Curto, rápido, insistente em mostrar a você que nem tudo é o que parece, que as coisas são sempre diferentes e que em poucas páginas você pode fazer uma história incrível e instigante. A família Sinclair segue a linha de família que atinge seus objetivos e que nas aparências formam tudo aquilo que nós queremos, bem no fundo, ser: ricos, poderosos e donos de uma grande fortuna que nos permita passar as férias em uma ilha particular, sem ninguém para ditar as regras. É nesse meio que somos inseridos e a história poderia ser clichê.

Poderia. Dá para contar nos dedos das mãos quantas obras seguem essa linha tênue entre ser uma história sobre uma família rica que possui seus próprios segredos, tramoias e o velho e bom romance envolvido. A verdade, entretanto, é que a premissa não faz jus ainda ao que Mentirosos se torna a partir do momento em que você passa a lê-lo. E, muito provavelmente, nem mesmo essa resenha será capaz de especificar como esse livro consegue prendê-lo.

A família Sinclair é constituída por Harris e Tipper, suas três filhas e seus netos. Dentre estes, os nossos destaques são Cadence, Johnny e Mirren –, e é a primogênita Cadence que é a responsável por nos apresentar personagem por personagem. É ela que nos diz como o forasteiro Gat (que não faz parte da família) consegue ser uma pessoa incrível e por quem seu coração acelera mesmo com todos os seus defeitos e sua inclinação para política justa no mundo; é ela quem nos revela o espírito divertido e irrefreável de Jhonny, seu primo, e também é ela quem nos entusiasticamente sobre Mirren e sua impetuosidade. Os Sinclair não são fracassados, fracos, viciados, doentes ou criminosos. Eles são perfeitos. Possuem um saque forte no tênis, são inteligentes, com boas notas e garantindo um futuro brilhante pela frente com seus cabelos claros, sorrisos largos e corpos atléticos. Eles são o que nasceram para ser.
Diante essas promessas, se torna difícil encaixar Mentirosos como uma obra que inicialmente possa ser declarada como capaz de manter sua ansiedade em terminá-lo logo. O prosseguimento da história, contudo, torna tudo difícil de se largar. É difícil sair da ilha antes que você conclua aquele ponto, que a verdade seja despejada em você como um balde de água fria e te faça ficar tão chocado que é impossível esquecê-lo tão cedo. A escrita bem desenvolvida, envolvente e brutal de E. Lockhart certamente faz com que ela seja considerada uma escritora de sucesso absoluto: a estrutura de uma história que tem tudo para ser aquilo que você imagina que saiba como irá acabar, mas que devido a um plot twist, simplesmente se desdobra em algo que você não conseguia pensar. E, pior ainda: reler o livro nos faz perceber que tudo estava ali, intrinsecamente conectado, maravilhosamente entrelaçado em uma rede de mentiras.

O título pode fazê-lo pensar que tudo se centraliza unicamente dentro do grupo de adolescentes, mas, uma olhada rápida nas primeiras interações familiares nos faz perceber como o dinheiro é capaz de destruir um lar. Para o resto do mundo, os Sinclair estão bem. Dentro das muralhas erguidas pelo egoísmo e a arrogância, vê-se nitidamente que tudo está diferente, ruindo até que não sobre nada. Até que não sobre pedra sobre pedra. Em um mundo onde a ostentação afoga a realidade absoluta, tudo parece confuso a um primeiro momento. É difícil você eleger um livro como favorito, mas é isso que Mentirosos se torna para muitas pessoas. É um caminho sem volta, uma história que faz refletir através de metáforas e dor e uma dose de sentimentos que se misturam entre aquilo que você deve ser e o que você quer, de fato, ser.

A linha temporal que divide-se entre capítulos que são memórias e outros que são a realidade dura e cruel, dia após dia, pode soar confusa a um primeiro momento. Mas bastam alguns capítulos curtos para Cadence se revelar em poemas, contos de fada. Entretanto, Mentirosos se revela um livro para ser lido uma ou duas vezes, no máximo. É bom relê-lo novamente, depois de muito tempo, mas o elemento surpresa perde-se, claro, na primeira vez. Isso não funciona, mesmo assim, para que o livro se torne indispensável. Pelo contrário.

O mar de confusões tão magistralmente elaborado por Lockhart nos faz refletir – sobre a ganância, sobre o status. A brutalidade dos fatos, a dor de se descobrir, de se mostrar, nos faz pensar até que ponto podemos ir sem realmente enfrentarmos as verdadeiras consequências. Mais ainda, é um tapa na cara que nos faz refletir sobre como nossos valores e nossas atitudes podem ser, de uma forma ou de outra, conduzidos a nos fazer ter atitudes das quais nos arrependamos, mas das quais não podemos voltar atrás.

                                            Por : Lorena Schveper

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