Crítica | As herdeiras (Las herederas, 2018)

Título: As herdeiras (Las herederas, 2018).
Direção: Marcelo Martinesse.

Elenco:Ana Brun, Margarita IrunAna Ivanova,
Nilda Gonzalez, María Martins, Alicia Guerra.
Gênero: Drama.
Classificação: 

SINOPSE: Chela (Ana Brun) e Chiquita (Margarita Irún), herdeiras de famílias abastadas do Paraguai, vivem da venda de seus bens. Quando Chiquita acaba presa por dívidas jamais acertadas, a até então submissa e reclusa Chela precisa se virar e começa por acaso a prestar serviço para um grupo de senhoras ricas como motorista. Logo a nova realidade, e especialmente a exuberante Angy (Ana Ivanova), a quem conhece durante o trabalho, afetam os interesses, prioridades e atitudes da taxista amadora.

CRÍTICA
Existe uma feliz tendência na sociedade contemporânea de buscar construir os dialógos sociais com base numa imprescindível multiplicidade de vozes. Esta tendência se faz sentir nas produções culturais de maneira geral.
Muito embora os movimentos artísticos contra majoritários e de resistência sempre tenham existido, é perceptível uma crescente – em numero e, mais importante, em alcance – de obras e artistas que colocam em evidência vozes sociais por muito excluídas deste diálogo.
Sendo a produção cinematográfica de massa majoritariamente masculina e eurocêntrica, é com felicidade que assistimos a emergência de obras que tem em seu centro figuras femininas e/ou sul-americanas.
Nesta dupla vertente encontra-se o filme “As herdeiras” (Las herederas, 2018), que conta com elenco composto quase que exclusivamente por mulheres. Estréia em longa metragem do diretor paraguaio Marcelo Martinesse, o filme tem como protagonista Chela (Ana Brun) que assiste, com sua companheira de longa data Chiquita (Margarita Irún), a dilapidação da sua herança, uma vez que a venda dos bens é a única fonte de renda de ambas.
Após a prisão de Chiquita por problemas fiscais, Chela, acostumada a ser servida e cuidada, precisa passar por um processo de reinvenção e redescoberta de si mesma, ante à ausência de sua companheira e aos problemas financeiros que enfrentam. 
Quebrando a postura passiva delineada no início do filme, passa a prestar serviço de motoristas para vizinhas e amigas, atividade que a coloca em movimento e em contato com outras mulheres, dentre elas Angy (Ana Ivanova), por quem desenvolve uma relação marcada por curiosidade, deslumbre e desejo.
A trama é “simples”, concentrando-se nas emoções e reações da personagem principal ante às mudanças desencadeadas pela separação da pessoa amada, decadência financeira, renovação do desejo e pela percepção da efemeridade de todas as coisas (do amor, do corpo, da saúde financeira). O filme trata, assim, de pequenos dramas pessoais que as pessoas comuns enfrentam no seu cotidiano, sendo a história contada de modo realista e, sobretudo, intimista – o que é reforçado pelo uso intenso de close-ups.
Força motriz e presente em quase todas as cenas do filme, a atriz Ana Brun (premiada no Festival de Berlim por esta atuação) cumpre com louvor a difícil missão de construir esta personagem introspectiva através de grandes silêncios e olhares expressivos.



Por fim, importante destacar que, corroborando a tendência de narrativas contra majoritárias indicada no início deste texto, “As herdeiras” tem como protagonistas um casal de mulheres de terceira idade homossexuais, alinhando-se a uma linha muito especial de filmes (dentre eles o brasileiro Aquarius, o francês Elle e o chileno Gloria) que procuram desconstruir aquilo que é, simultaneamente, um estereótipo e um tabu: a mulher de terceira idade e sua sexualidade. Retratadas, quase sempre e quando muito (já que Hollywood costuma apagar as figuras femininas depois dos 40 anos de idade), como figuras planas e despidas de identidade e desejo, as mulheres destes filmes são mais do que mães, esposas e avós: são indivíduos com desejos, erros, sexualidade plena e complexidade emocional.
Interessante notar que os quatros filmes aqui citados são escritos e dirigidos por homens, fato que não retira o valor, sensibilidade e importância destas obras, mas que aponta para a promessa e potência do enriquecimento deste dialogo através da possibilidade de narrativas femininas sendo narradas por elas mesmas.

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