Crítica | Assunto de Família

Título: Assunto de Família (Manbiki kazoku)
Direção e roteiro: Hirokazu Kore-eda
Elenco: Lily Franky, Sakura Andô, Mayu Matsuoka
Lançamento: 10 de Janeiro de 2019 
Classificação:

Sinopse: Após mais uma das suas sessões de pequenos furtos, Osamu e seu filho encontram uma garotinha passando frio. A família de Osamu começa a tomar conta da criança e mesmo quase não tendo o suficiente para sobreviver, eles passam a viver felizes juntos, até que segredos são revelados e os vínculos que os unem são testados.


Charme com simplicidade

O japonês Hirokazu Kore-eda é conhecido pela perspectiva extremamente humanista e realista de seus filmes, sempre girando em torno de um âmbito familiar ou conexões análogas, explorando a condição humana em vários momentos. Dare Mo Shiranai (2006), Aruitemo Aruitemo (2008) e Umimachi Diary (2016) são exemplos disso e foram muito bem recebidos pela crítica. Assunto de Família é uma adição que não destoa dos seus últimos trabalhos, não só nos temas e tons comuns ao Kore-eda, mas também no virtuosismo, talvez seja o melhor projeto que o seu já respeitado catálogo pode oferecer.
O roteiro é simples e modesto, pelas razões mais corretas possíveis. O foco nunca sai dos 6 membros da família (todos com boas atuações, inclusive as crianças), de forma que o filme busca simpatia em pontos bem pessoais e cotidianos de seus personagens, a história domina o interlocutor nos menores maneirismos: as refeições compartilhadas entre a família, as peculiaridades e superstições de uma avó e pequenas conversas triviais sobre qualquer assunto banal. São através dessas situações despretensiosas e intrínsecas que a maioria dos temas são sondados, requerendo bastante atenção no que está sendo verdadeiramente transmitido.
Apenas depois de mais de uma hora de filme, baseada nesses momentos de intimidade, que os mistérios sobre cada um dos membros da família vão sendo aos poucos explorados, como muita sutileza. Com isso, Kore-eda investiga a estrutura, preconcebida, sobre o que de fato constitui uma família. Afinal, o sangue é realmente mais espesso que a água? Esse tipo de questionamento mostra-se ainda mais impactante em uma sociedade tradicional, tão fortemente centrada no ceio familiar, como a japonesa. O filme não nos dá uma resposta definitiva, mas só abrir esse debate no Japão requer ousadia, o que é feito com a delicadeza necessária, mesmo deixando a entender que não é o sangue que determina quem chamamos de pai ou mãe.
Além disso, Kore-eda ainda encontra espaço para discutir como a pobreza pode forçar pessoas boas a cometerem atitudes ruins, como os pequenos furtos feitos corriqueiramente pela família. É um tema complementar, mas que abre mais uma janela para Kore-eda criar cenas, tanto engraçadas quanto dramáticas, muitas vezes poéticas e de beleza quase acidental.
O modo que Kore-eda constrói seus cenários é bastante idiossincrático: sem grandiosidade, poucos e leves movimentos de câmera, close-ups e minucia esquelética na composição. Paralelamente, assim também são construídos seus personagens, justamente para permitir um tipo de empatia singular da audiência com a trama. O diretor e sua arte entrelaçam-se de forma simbiótica. Não sei ao certo qual é a causalidade dessa natureza do Kore-eda, mas é um filme tão lindamente singelo e suave, que seria plenamente justo levar melhor filme estrangeiro no Oscar de 2019.

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