Crítica | Fúria Primitiva

Título: Fúria Primitiva (Monkey Man)
Direção: Dev Patel
Roteiro: Dev Patel, Paul Angunawela, John Collee
Elenco: Dev Patel, Sharlto Copley, Pitobash, Vipin Sharma
Lançamento: 5 de abril de 2024 (EUA e Canadá), 23 de maio de 2024 (Brasil)
Classificação:

Sinopse: Kid sobrevive lutando em um clube subterrâneo. Após anos de raiva reprimida, ele se infiltra na elite da cidade, usando seu trauma de infância e mãos marcadas para se vingar daqueles que tiraram tudo dele.

Hanuman contra o sistema de castas


Com apenas 10 milhões de dólares de orçamento, Dev Patel nos entrega um filme de ação competente que bebe de várias (boas) fontes. Derivado da escola John Wick (Chad Stahelski) de coreografia, passando por Jason Blum, Ilya Naishuller, Gareth Evans e indo até Tony Jaa e Bruce Lee (especialmente Enter the Dragon), Dev Patel se apresenta como um diretor familiar com o estado da arte do cinema de ação e nos dá indicativo de que será um cineasta promissor.

Há alguma consideração na criação de gags, como Jackie Chan ensina, durante todo o filme, mas as primeiras lutas e a perseguição em tuk-tuk, filmadas com uma câmera à la Paul Greengrass, não são tão cinéticas quanto na franquia Bourne, principalmente por causa de mudanças de perspectiva que, em momentos, causam muita confusão visual.

Os momentos que vamos para a 1ª pessoa não se encaixam sem fricção, mas são uma reverência bem-humorada a Hardcore Henry (2015), estrelado por Sharlto Copley, que também se faz presente, com savoir-faire, em Fúria Primitiva, na figura de Tiger. Ou seja, especialmente na primeira metade do filme, Patel não está tão preocupado, ou não consegue, criar uma marca definitivamente própria (ainda), ele está se divertindo, abrindo a caixa de ferramentas e usando-as de forma espontânea, livre.
 
Grande parte do filme é um submundo onírico e neon, mas temos um pouco de tudo: ringues de bloodsport ilegais, quebradeira no banheiro, perseguição, luta em elevador (que apresenta certa criatividade), até uma versão The Jungle Book de Andre the Giant.

Isso é um sinal de respeito louvável a tudo que veio antes dele no action cinema, mas é também Patel nos mostrando que ele tem familiaridade com o gênero; é a forma que ele encontrou de nos mostrar certo pedigree. Entretanto, Patel só vai nos mostrar qual é a dele, de fato, no ato final do filme, que se revela, por fim, como um belíssimo cartão de visitas.

Enquanto existe muita competência na direção e edição da violência, o que eleva o filme é a força do seu enredo. As problemáticas são levantadas no tempo certo, com a urgência correta e, principalmente, de inspiração moral irretocável. O filme abre espaço para a comunidade hijra (trans) se ver empoderada, humanizada, agente. É delicioso vê-las quebrando o crânio de uma força policial mafiosa, e é absolutamente crucial para o filme essa forma de emancipação.

No mais, Jed Kurzel ainda está por me decepcionar com uma trilha sonora; em Monkey Man ele é mais que excepcional, o leifmotif, sintético e carregado, é muito memorável. Entre os momentos de texturas mais modernas surge aquele mesmo zelo, que vimos em Macbeth (2016), de criar uma atmosfera mitológica, de fábula. 

Como naquele Macbeth, além da paleta de cores (cheia de vermelhos) e da cinematografia (cheia de silhuetas) o filme é elegante, entretanto, no seu clímax o filme não é mais só uma história de vingança, disso já temos de monte; é uma adaptação mitológica fidedigna para Hanuman. Através de sonhos, flashbacks e reencenações da iconografia, Kid é o Deus-Macaco reincarnado, moldado na dor e movido por suas cicatrizes para entregar castigo e danação aos deuses corruptos que se nutrem da exploração de uma sociedade estratificada, de castas, sugando todos de liberdade e potência.

Logo, Dev Patel criou uma pesada e contundente crítica ao ultranacionalismo de direita que coloca na mira o regime de Narendra Modi, enquanto prova que é versado o suficiente em action cinema para aguardarmos ansiosos seu próximo projeto.

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