Título Original: Weapons
Direção: Zach Cregger
Roteiro: Zach Cregger
Elenco: Josh Brolin, Julia Garner, Alden Ehrenreich
Sinopse: A Hora do Mal acompanha o desaparecimento de 17 crianças – exceto uma – de uma mesma classe que misteriosamente, ao mesmo tempo, fogem de suas casas de madrugada. Sem nenhum sinal de arrombamento ou sequestro, a cidade inteira demanda respostas sobre o que pode ter acontecido naquela noite. Quem ou o que poderá estar por trás deste estranho mistério? Enquanto os pais lutam para entender o que aconteceu, as autoridades buscam por informações pela pequena cidade.
Zach Cregger, que já havia mostrado sua habilidade em Noites Brutais, retorna com um soco no estômago que é A Hora do Mal. Esqueça sustos fáceis ou demônios digitais. Aqui, o mal é real, palpável e, pior, cotidiano. Este não é apenas um filme de terror: é uma elegia sombria ao colapso do tecido social americano, ao medo que nasce não de monstros sobrenaturais, mas de vizinhos silenciosos, pais ausentes e uma sociedade doente que se recusa a olhar para dentro. O filme parte de uma premissa simples e absurdamente eficaz. Cregger não entrega respostas logo de cara e se delicia em manter o público à deriva num suspense sujo e claustrofóbico que remete aos melhores momentos de Hereditário e Magnólia. Mas o verdadeiro impacto está em como ele transforma essa trama em um comentário social afiado. A escolha do título original, Weapons, é reveladora. As armas aqui não são apenas de fogo. São ideias, silêncios, traumas. O terror não está no desaparecimento em si, mas no que levou a isso. O diretor constrói uma experiência sensorial que incomoda, porque carrega o peso do que é verossímil demais.
A fotografia é crua, quase dessaturada, evocando a banalidade da violência que corrói os subúrbios norte-americanos. A montagem, dividida em capítulos, remete ao estilo de Paul Thomas Anderson e organiza uma narrativa em mosaico, focada em personagens distintos, todos afetados por um mesmo evento traumático. A trilha sonora aparece quando precisa, sem exageros. O silêncio vira elemento central, criando tensão onde normalmente haveria música. As atuações são precisas. Julia Garner segura o núcleo dramático do filme com uma interpretação contida e intensa. Josh Brolin surpreende ao entregar uma performance profundamente vulnerável, um homem despedaçado tentando encontrar sentido onde não há. Benedict Wong e Amy Madigan complementam com força e humanidade os papéis secundários, compondo um painel coletivo de dor, culpa e impotência.
A Hora do Mal ecoa a força de obras como Hereditário, ao explorar o horror como herança emocional. Enquanto no filme de Ari Aster o mal vem de forças ocultas, aqui ele nasce de dentro das casas, do colapso das relações, da indiferença cotidiana. Se Hereditário diz que ninguém está seguro nem no lar, Cregger rebate com a ideia de que talvez o mal já esteja ali, silencioso. Em paralelo, o longa também se aproxima de Corra!, ao usar o terror como ferramenta de denúncia. Ambos são políticos, mas com estilos diferentes. Jordan Peele é direto, sarcástico e amarra sua crítica com precisão. Já Cregger prefere o desconforto difuso, o horror atmosférico que se infiltra aos poucos. Um entrega impacto imediato, o outro te assombra dias depois.
A relação com Magnólia é estrutural. Os personagens são apresentados em camadas, conectados por um trauma coletivo que não exige explicação sobrenatural. A dor é o elo comum. O peso da culpa, a tentativa de encontrar sentido no absurdo, o desejo de redenção, todos esses elementos aparecem nos dois filmes, ainda que Cregger os revista com o manto do horror psicológico. O resultado é uma narrativa que rejeita catarse e exige enfrentamento. Não há alívio. Há incômodo. E é exatamente aí que o filme acerta em cheio.
A Hora do Mal não tenta agradar. Ele quer provocar. Ele desarma o espectador, propõe reflexões duras sobre violência, alienação e fragilidade social, sem jamais parecer panfletário. Cregger não grita suas críticas, mas cada quadro pulsa com urgência. É um filme que incomoda porque aponta para o real. Enquanto tantos longas do gênero te distraem com sustos, este te obriga a encarar um espelho desconfortável. É uma obra que transcende o gênero, uma meditação sobre o mal moderno e sobre o que somos capazes de ignorar até que seja tarde demais. Em um mar de produções previsíveis, A Hora do Mal é um farol sombrio. Um dos melhores filmes do ano. Um dos terrores mais relevantes da década.
Apesar de sua proposta densa e provocadora, A Hora do Mal também escorrega em pretensões maiores do que sua execução comporta. É verdade que o filme traz uma realidade cotidiana crua, que nos joga no meio das situações com um pé na vida real e outro no inferno social americano. O cinéfilo mais atento se vê, sim, imerso naquele mundo, obrigado a dialogar com as personagens, a confrontar suas decisões, suas ausências, seus traumas. Mas isso não basta para sustentar um longa que quer ser profundo, mas muitas vezes é só disperso.
Não há uma continuidade óbvia entre as cenas, e isso poderia ser um mérito narrativo se fosse bem conduzido. Só que, aqui, os cortes abruptos, os diálogos pela metade e as cenas que parecem jogadas ao acaso mais confundem do que constroem. No fim, tudo até encontra certo sentido, mas é um sentido que exige boa vontade. Não é genial, é apenas forçado. E, se comparado aos grandes clássicos da Warner, estúdio que já nos deu obras como O Exorcista, Os Infiltrados, Ilha do Medo, o filme fica devendo muito em linguagem cinematográfica.
A fotografia é boa, sim. Tem momentos interessantes, composições que sugerem tensão e decadência. Mas dizer que é uma das melhores da Warner? Nem de longe. A estética é funcional, não memorável. O mesmo vale para o elenco. Julia Garner e Josh Brolin entregam atuações mornas, sem muito risco, sem muito impacto. E o resto do elenco? Está lá. Literalmente. Personagens rasos, com potencial desperdiçado, muitos deles figuram mais como peças de xadrez empilhadas do que como pessoas com arcos narrativos claros.
O problema é que o filme se leva a sério demais para o pouco que entrega. Em certos momentos, o clima é tão artificialmente tenso que beira a comédia involuntária. O grande plottwist, aquele que supostamente deveria deixar o público em choque, acaba virando uma cena quase cômica, constrangedora até, como se o roteiro tivesse desistido de ser brilhante e apelado para o absurdo.
No fundo, A Hora do Mal é um terror superestimado, feito com cara de filme adulto, mas recheado de artifícios adolescentes. É o tipo de obra que tenta ser “conceitual”, mas soa desorganizada e ansiosa para dizer algo importante, sem saber exatamente o quê. Pra quem espera muito, a decepção é quase certa. Mas, pra quem não espera nada, até pode ser uma surpresa interessante. É um filme que não é excelente, mas também não é totalmente dispensável. Tenta inovar, sim. Só que tropeça feio no caminho.
Em tempos de cinema que exige mais do que a estética do desconforto, Cregger entrega uma colcha de retalhos que flerta com o brilhantismo, mas acaba no território das boas intenções mal costuradas. Vale a experiência, desde que você vá sem expectativas e com senso crítico afiado.
Ah, e um adendo necessário: o grande input da narrativa é espiritual. Vem da bruxaria. Isso não é o que prende o olho na tela, mas é o que sustenta o desfecho.
7/10
Assistir é uma escolha sua, não me responsabilizem pelas frustrações, mas se gostarem contem pra gente nos comentários.
ESCRITO POR SILAS VITÓRIA











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