Entrevista: Chico Anes


Olá leitores!! Essa semana o entrevistado da vez é Chico Anes, autor do livro "O Sonho de Eva". Ele foi suuuper atencioso e contou muitas histórias legais pro blog, vocês não podem deixar de conferir :




01. Antes de tudo, como você se descreveria usando poucas palavras?

Olá queridos leitores do blog O Clube da Meia Noite! Para mim é mais que um prazer poder responder essas perguntas; acredito que a troca de ideias e o cultivo da literatura são algumas das ferramentas que nós brasileiros temos para conduzir nosso país para longe desta escuridão que caiu sobre nós nestes últimos tempos.
Como eu me descreveria usando poucas palavras? Bem, em uma das minhas histórias, o personagem Pirapato responde parte dessa pergunta - se bem ele não usou tão poucas palavras assim... -, quando diz:
“E eu?
Quem sou eu?
Sou planta? Sou flor?
Não!
As flores, ao contrário dos homens, sempre nascem sorrindo.
Então sou partícula?
Um quebra-cabeça de átomos?
Será a Tabela dos Elementos minha árvore genealógica?
Talvez!
A ciência de Deus é fundir a beleza, e descobri, nas clausuras pelas quais passei, serem belos os infinitos que me compõem.
Então é isso! Sou infindo! Não apenas genes trocados por gerações, ou um pedaço morto vivo de meus pais. Sou evolução!”
Se eu tivesse que escolher uma só palavra para me descrever, usaria: “evolução”. Se eu pudesse usar três palavras, elas seriam: “busca pela evolução”. Creio que a força que me move todos os dias é essa constante busca por ser uma pessoa melhor, tanto para o mundo exterior que me envolve e me abriga, quanto para o Chico Anes que sonha consigo mesmo em seus muitos mundos interiores.

02. Como foi o início da sua carreira como escritor e por que você decidiu escrever e abandonar a engenharia?

Vou contar uma história:
Comecei a acampar com nove anos. Eu e mais quatro amigos arrumávamos barracas improvisadas e saíamos em busca de cachoeiras. Um dos lugares que mais íamos era um antigo seminário de padres alemães, no alto de uma montanha na Serra da Mantiqueira. O lugar era muito irado: uma construção enorme, arquitetura clássica, cheia de galerias e salões com fotos e livros antigos. Os padres nos deixavam acampar nas matas ao redor do seminário e tomar banho na cachoeira se nós nos comprometêssemos em não bagunçar o lugar. Numa trilha, entre o seminário e a cachoeira, existia um cemitério antigo, abandonado, com lápides escurecidas, com fotografias envelhecidas, datas e nomes de padres ancestrais, tudo tomado por musgo e cheirando a coisas esquecidas. Era um pouco assustador, eu confesso; especialmente à noite. Bem, como esse cemitério era no caminho do nosso acampamento, quando passávamos por lá deixávamos alguns itens sobre os túmulos: um cantil, uma faca, um chapéu... Então seguíamos e, chegando no acampamento, montávamos as barracas e aproveitávamos a água gelada da Serra da Mantiqueira. À noite,  ao lado da fogueira, começávamos contar histórias de assombração; a mulher loura do banheiro, o homem do saco, o defunto que dava informação na estrada, o menino que fora enterrado vivo... Coisas do tipo. Lendas urbanas daquela época. Acabadas as histórias, fazíamos uma votação. Aquele que contava a história mais fraquinha tinha que sair do acampamento e ir sozinho até o cemitério para trazer de volta um daqueles itens deixados lá. Cara, eu posso afirmar que era mesmo assustador! Caminhar sozinho numa trilha, no meio do mato, totalmente escuro, e entrar num cemitério abandonado, se agachar num túmulo cheirando a musgo e tatear procurando por um cantil... E ainda depois de ouvir histórias de assombração... Aquilo era perfeito para moer os nervos de qualquer um. Bem, eu não preciso dizer que me esforçava o máximo para que minhas histórias nunca ficassem entre as piores! Quando marcávamos o próximo acampamento eu já começava a bolar histórias dias antes, só para garantir que não teria que visitar aquele cemitério sozinho. Com o passar o tempo, meus amigos me incentivaram a passar essas histórias para o papel. Comecei a escrever contos e um dia decidi arriscar um romance. Jeito meio bobo de começar a escrever, né? Mas o fato é que devo o incentivo para escrever a esses quatro amigos de acampamento.
Agora, o que me deu a bagagem necessária para criar histórias foi minha paixão pela literatura. Sempre li muito; livros e mais livros, sobre os mais variados temas. Meu mundo sempre foi povoado por livros.
Quanto à engenharia, na verdade eu não a abandonei. Trabalho com telecomunicações desde que me formei. É super gratificante saber que estou fazendo parte dessa revolução nos meios de comunicação, fazendo com que pessoas possam se comunicar umas com as outras onde quer que estejam no planeta.


Olha aí umas fotos do Seminário... Pena que não achei na Internet uma foto daquele cemitério. (Instituto Missionário São Miguel - Borda do Campo):




03. Ao escrever “O sonho de Eva” você se dispôs a fazer muitas pesquisas e praticar muito os sonhos lúcidos, inclusive utilizando as técnicas do Dr. Stephen Laberge. Em algum momento desse trajeto você pensou em desistir ?

Desistir não é uma opção. Cada um de nós está vivendo, neste exato minuto, seu grande momento, sua melhor história. Estar vivo neste mundo maravilhoso e assombroso é o que de mais fabuloso pode estar nos acontecendo. A vida é o presente supremo que recebemos! E o que poderíamos fazer para retribuir esse incrível minuto de vida se não o ato de deixar escrita na eternidade entre nosso nascimento e nossa morte “a assinatura de nossos sonhos num papel”?
Viver nossos sonhos é nossa retribuição a esse presente, e por isso acho que desistir não é uma opção.
Pesquisar e praticar sonhos lúcidos foi algo tremendo; como é todo desafio legítimo. Conseguir “acordar” dentro dos seus sonhos e poder sair voando, mergulhar em rios profundos, encarar medos e provar maçãs em Édens multicoloridos... É uma prática que vale à pena, apesar de exigir muita disciplina e força de vontade; mas, afinal, tudo o que vale à pena não exige sempre disciplina e força de vontade?
Stephen Laberge é um grande cientista. Através de suas pesquisas com sonhos lúcidos na Universidade de Stanford, ele foi capaz de provar em laboratório que os sonhos lúcidos são reais, e deixou uma série de exercícios que ajudam quem quer que queira se aventurar no mundo dos sonhos a atingir a lucidez. Acredite, não é necessário nenhum dom, apenas prática, disciplina e força de vontade; como tudo o mais na vida...
E, de novo, Pirapato pode me ajudar a exprimir este momento único e este presente maravilhoso de estar vivo e ter a chance de viver meus sonhos agora:

“Ele, como todo homem consciente do tempo, queria viver para sempre, continuar a existir, simplesmente porque amava o delicado tremular da vida.
Amava o cheiro das coisas vivas, amava vê-las se movendo, usar a pele para percebê-las, ouvi-las vibrando e sorvê-las numa gula sem culpas. Não queria ir-se, sumir e desfazer-se em átomos, sem ao menos a promessa que, de algum modo, parte desses sentidos continuariam lá fora os seus ensaios atemporais.”

04. Muitos escritores falam da grande dificuldade que é conseguir uma editora boa para fazer a publicação de seus livros, fale para nós como foi a sua trajetória.

Comigo não foi e não está sendo diferente.
Realmente, ser escritor requer um amor incondicional pelas letras e pelas histórias. A chance de o seu trabalho não ser sequer avaliado é enorme. A frustração pode ser uma gravíssima presença e, o pior, inibir futuros talentos.
Frustração, do dicionário Houaiss: 1 psicn estado de um indivíduo quando impedido por outrem ou por si mesmo de atingir a satisfação de uma exigência pulsional.
Talvez haja poucos escritores que em algum momento da carreira não tenham experimentado a frustração. Digo isso porque um livro não se escreve em poucas horas, ou poucos dias, ou mesmo poucos meses… Na maioria das vezes, o livro é o trabalho de um ano ou mais; bem mais... E depois dessa entrega irrestrita a uma obra, não ter sequer o email respondido é realmente frustrante. Se há culpados? Sim, há. Um governo que se diz educador e na realidade fecha escolas, corta verbas, promove uma alfabetização aleijada, esse governo é culpado. Governantes que roubam merenda escolar, permitem goteiras sobre estudantes e livros, saqueiam o salário de professores e raptam o futuro de crianças, esses governantes são culpados. Com menos cultura e educação há menos leitores. Com menos leitores, tudo é mais difícil para o Brasil, para as editoras, para os escritores.
Tive uma bela publicação para o “O Sonho de Eva” com a Novo Conceito. Para o meu próximo livro, estou percorrendo todo o percurso novamente. O árduo caminho em busca de uma editora. Mas essa é a regra do jogo. No que eu acredito? Na força da história.


05. Você é praticante do xamanismo, conta para a gente como é esse seu Mundo Xamânico que você diz. Essa prática te ajudou na criação do seu livro?

Como eu disse, meu grande objetivo é a busca pela evolução pessoal, e enquanto percorro esse caminho, desejo contribuir para a evolução do mundo em que vivo. Um dos meios que encontrei para isso é o estudo e a prática xamânica. Em linhas gerais, o caminho xamânico mostra como você pode manejar a energia de forma mais eficiente. Mostra como nós desperdiçamos energia nas coisas mais banais e, quando precisamos de energia extra para fazer algo que realmente queremos e que mais nos importa, essa energia nos falta. Um exemplo: posso acordar de mau humor, entrar no carro e pegar um trânsito horrível para a reunião com uma editora a fim de apresentar meu livro. Durante o trajeto posso dirigir reclamando, xingando, não dando passagem a outros motoristas e por aí vai. Quando eu chegar para a reunião, estarei esgotado, com pouca energia disponível, e meu carisma, minhas ideias, minha paixão estarão frias, arrefecidas. Assim, no momento em que eu mais precisasse da minha energia ela simplesmente não estaria lá. As práticas xamânicas ensinam como economizar, reter e manejar energia, seja do Sol, da natureza, dos alimentos ou de onde costumamos desperdiçar mais: dos comportamentos viciados.
Como esse mundo xamânico está muito presente em minha vida, ele necessariamente acaba me ajudando a escrever, e joga seus reflexos em minhas histórias.


06. Em “O Sonho de Eva” você cita alguns lugares que realmente existem, como por exemplo uma livraria antiga na cidade de Ouro Preto (que eu como mineira e curiosa, acabei visitando hahah). Existem outras ligações com a realidade nos seus livros ou as coincidências acabam por aí?

Acho legal mesclar lugares e fatos que existem ou existiram de verdade nas histórias, com uma leve distorção da realidade. Essa leve distorção provoca um efeito parecido com um sonho – um sonho lúcido – e aproxima um pouco mais a história da borda que separa o chão duro e seguro do nosso mundo real e o precipício onírico dos nossos sonhos e segredos. No “O Sonho de Eva”, as livrarias, a Lenda dos Nove Desconhecidos, a Universidade Livre de São Paulo, os Assuras, etc., e, claro, os sonhos lúcidos, são componentes reais - ou fizeram em alguma época parte de nossa história - e ajudaram bastante a criar esse leve efeito de distorção.

07. Deixe uma mensagem para quem pretende seguir a carreira de escritor ou até mesmo sonhar lucidamente.

Tem uma passagem do livro “O Caibalion” que eu gosto muito e pode resumir bem minha mensagem:
“A Mente, tão bem como os metais e os elementos, pode ser transmutada de estado em estado, de grau em grau, de condição em condição, de polo em polo, de vibração em vibração. A verdadeira transmutação hermética é uma Arte Mental.” – O Caibalion
Isso quer dizer que qualquer caminho que pretenda seguir, se você estiver vestido com o espírito do verdadeiro guerreiro, sua paciência, seu trabalho constante e sua coragem vão levar seus passos até seu objetivo. A verdadeira obra do alquimista não é transformar chumbo em ouro, mas transformar o “homem com espírito de chumbo” no “homem com espírito de ouro”. E, de estado em estado, de grau em grau, de condição em condição, de polo em polo, de vibração em vibração, vocês, queridos leitores, vão chegar lá e conquistar seus sonhos!

Obrigado a todos vocês, pelo tempo que dedicaram em ler essa conversa, e ao blog O Clube da Meia Noite, por nos proporcionar este espaço e este momento.
Beijos!

Por: Daniele Lages

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Um comentário:

  1. O blog está caprichado, a gente percebe o carinho com que cada reportagem é elaborada. Continuem nesse caminho.

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