#sessão da meia noite - UMA RISADA PARA VAN HELSING


UMA RISADA PARA VAN HELSING
Direção: Stephen Sommers
Elenco: Hugh Jackman, Kate Beckinsale, Richard Roxburgh
Música: Alan Silvestri
2004 – 131’

Entretenimento, entretenimento, entretenimento... a indústria do cinema se posiciona, de forma clara e inequívoca. Pensar a vida ainda é coisa de europeus. A América não ambiciona outra coisa a não ser acumular o capital e absorver a cultura alheia. Quando ambiciona une a renda milionária da bilheteria com uma e outra novidade como foi a PAIXÃO do Mel, com legendas e outras línguas. Aqui ninguém reclama de SPOILER pois querem mesmo como o herói Jesus sofrerá no fim. As pessoas desejam, mesmo, sangue.

VAN HELSING, por sua vez,  era filme que já demorava para aparecer e passou batido como mais uma poeira no horizonte da filmografia mundial. Custou 160 milhões de dólares e rendeu outro tanto. Pagou-se. Filme ruim. A personagem, no entanto, tem carisma... pena que, quem tomou a frente de definir a saga de VAN HELSING foi o cinema cheio de truques e plásticos em demasia.
Os produtores do VAN HELSING, filme, resolveram que em vez do místico espiritualista VAN HELSING (evoé Peter Cushing, misto de charlatão e canastra, mas adorado) houvesse, na produção, a mistura de tudo o que é herói, usando de liberdades poéticas inúteis e mal feitas. Um exemplo?: A  CRIATURA do Dr. Victor Frankenstein morre, com ele, caindo de um Moinho. O que não é verdade, de acordo com a autora original que mandou os dois para as terras de geleiras e ainda deixou incógnitas para o fim sob camadas de gelo. No filme botaram um moinho no meio do caminho para nos lembrarmos dos moinhos que aparecem em qualquer filme do Karloff, com direito a preto e branco e povo com tochas.  Quero dizer: - Já que morreram – Victor e a Criatura -  por que os autores do filme não se contentaram com a ideia original da Mary Shelley? No filme inventaram perseguidores vampiros que podiam tanto estar num aldeola qualquer, como nas geleiras do Ártico. Tanto fazia. Ou seja, usaram de licença poética sem valor algum. Trocaram seis por meia dúzia.
Já BATMAN aparece nas primeiras sequências, enquanto luta com um galhofeiro, e, simiesco MR. HIDE, que de tão virtual e artificialmente construído me pareceu o antigo KING KONG – cada vez que vejo esses filmes que se querem realista eu vejo cada vez mais plástico - feito de massinha de modelagem da década de 30. Levar a cena para Paris ocorre em perda exagerada de senso, a não ser que quisessem remeter ao Corcunda de Notre- Dame, ou, quem sabe, ao Fantasma do Ópera House, ou ainda usar parte do cenário do Moulin Rouge, já pronto, zipado em algum disquete nos estúdios de filmagem – opa! – de edição. Depois, temos o Vaticano, também virtual que  nos leva a uma cena terna e cândida. Lá – pasmem todos! – VAN HELSING vai se confessar com um padre que se mostra conivente com a mortandade. Seria VAN HELSING um Templário? A mão esquerda de Deus?
Fica claro que o protagonista tem que colocar o mundo em ordem – afinal é um herói - e destruir tudo o que é anormal ou desordenado, ou seja, tudo aquilo que é diferente do usual. Morte à diferença e vamos botar tudo’ nos conformes’. Mas, conforme a quem?
A Igreja Católica, por baixo do pano, parte para a solução final ao enfrentar os diferentes, usando para isso o pecador Indiana VAN HELSING Jones. A desculpa: Os seres diferentes – os anões, coitados - eram todos criados por obras demoníacas.
James VAN Bond nos subsolos do Vaticano é como se o agente adentrasse o MI6. Lá, gente de tudo quanto é religião – ecumenismo da mais importante cepa - trabalha para estruturar armas e meios de destruir os desiguais – os monstros – os diferentes. Monges do Tibet e Judeus Ortodoxos se mesclam, com suas roupas características, metidos em um laboratório de pesquisa. O certo seria usar jaleco e tal, mas assim acabaríamos caindo na realidade que não é o caso aqui. De qualquer maneira os diferentes são os outros, os filhos do Capeta (o da capa pequena), os anormais, e, precisam ser destruídos por VOLVERINE HELSING.
Para auxiliar JAMES VAN HELSING temos um armeiro, um monge que ainda é frei – ou seja, tem licença para cometer besteiras – e, que faz o papel de Mr. Q, o armador de 007. Ainda por cima o sujeito dá a dica de que construiu um reles artefato atômico, com as areias do deserto de Gobi, que todos nós leitores sabemos serem radiativas. No entanto, tão radiativas quanto as de Caxambu. Quem sabe o subsolo? No futuro do filme esse artefato será útil para destruir com os vampiros, centenas deles que, inusitadamente e tendo nada para fazer em meio à crise,  dançavam alegremente em uma festa; esses dançarinos vorazes são destruídos tanto pelo poder de fogo como pelo clarão deslumbrante.
Vê-se que roteirista e produtores que também é o diretor, têm uma lista de cenas necessárias para um bom e pastichioso clichê. Dançar em frente ao espelho sem aparecer a imagem, um vilão canastra que grita e troca de roupas em modelitos interessantes e monstros burros que doem se atrapalham pelos subterrâneos do mundo. Como Roma o cinema americano só é criativo quando importa ou toma algum país.
O gótico, por outro lado, permanece em tudo e não há nenhum Godo ou Visigodo à vista. Detalhes de cenários convivem com o digital da moderna técnica e as antigas pinturas de paredes. Mas vemos painéis de fotos em pobres arquivos j-peg projetados sobre as conhecidíssimas telas azuis, ou, verdes, na cena em que VAN HELSING chega à aldeia. Um cenário muito chapado nos tira a ilusão de profundidade; como tudo é azul a ilusão desaparece. Usaram de solução simples. Uma foto contra o fundo, unidimensional e tchau. Basta! A tentativa de ilusão se faz... mas, não a ilusão.
Chamo Schopenhauer para me falar do mundo em representação.
Ainda não entendi o motivo pelo qual os romenos aqueles falavam inglês com
sotaque quase que macarrônico. Como seria dublado, então?
A MÚMIA não deu as caras, não apareceu, mas, o LOBISOMEM sim, aliás, de importância cabal na obra. É através do LOBISOMEM que o outro lado de VAN HELSING HIDE vai brotar e expor a sua HARMATIA – a falha trágica da personagem – pois, o herói, tendo sido mordido – algures e alhures -  por um Lobisomem, se tornará ele mesmo um similar da licantrópica raça. Vejo aí o lobo saindo de dentro do lobo-homem e vamos de Thomas Hobbes. Um filme desses por semana e minha prova de filosofia estará no papo.
As mordidas transformadoras sempre são das em locais nobres do corpo humano. Talvez uma mordida na bunda pusesse a perder o traço de trágico da obra.
Outra citação importante são os casulos de ALIENS anacrônicos que não vingam durante o filme. Estão lá para montar cenário, nada mais.
Curioso, e isso me vem agora, vejo que do herói não brota muita coisa, mesmo ao lado da mocinha arranjadinha que o acompanha,  mas, depois da mordida do outro Lobisomem coisas acontecem, coisas mudam... Trágicas e estranhas.
Por fim, eis: DRÁCULA. Vladislau Dragúlia e seu staff.
Deve-se aplaudir a construção das vampiras digitais - aparecem como as Erínias, como Fúrias, claro, um trio -  que voam como ginastas. Muito bem elaboradas e fluidas nas suas espectralidades voláteis e peroladas. Gostei delas. Muito terríveis e más. Um pouco lerdas nas decisões. E, mesmo o Drácula, eu o vi bem diferente dos demais. O ator criou um Drácula no estilo expressionismo alemão e, apesar dos trejeitos exagerados e modos de agir das Operetas de final do século 19 e mesmo do expressionismo, que é mais ou menos a época em que rolava a história, mostrava leve sorriso de deboche que, certamente, teria algum significado dramático. Quero acreditar nisso.
A CRIATURA retorna. Um cara muito gozado, fortíssimo que não consegue escapar das correntes e desmaia ao primeiro dardo que o VAN TUPINAMBÁ HELSING lhe sopra.
Algo me diz que esses produtores são uns iconoclastas, mas no mau sentido. No sentido do Mal.
Como se pode imaginar e prever e saber de antemão. VAN HELSING, inimigo do Conde Vlad, mordido de raiva pelo Lobisomen, no aparecer de uma LUA CHEIA de plantão, se transforma em terrível carnívoro lépido e raivoso - antagônico às mulheres Liliths que só aparecem na LUA NOVA. E, de acordo com a duvidosa teoria do monge que seguiu HELSING, como Adso segue Guilherme n’O NOME DA ROSA, lobisomens são os únicos que matam Dráculas. Não se sabe de onde ele tirou isso. Provavelmente, saiu da cabeça de uns dos produtores do filme. Ora, partindo desse princípio estarrecedor, podemos concluir que onde há Lobisomem há Drácula e Vampiros.
No entanto o filme, que começa galhofeiro, termina com tragédia. A catástrofe se abala sobre as consciências – a presunção e soberba e orgulho do protagonista EX VAN HELSING MAN ganham um final constrangedor.
As fúrias entram em ação.
Fim inesperado, eu poderia dizer, vá lá e veja.
Mas o que importa é como o filme foi feito e não a história que, enfim, todas são banais e simplórias nesse tipo de obra industrial.

Não passa  de entretenimento, entretenimento... entretenimento.

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Um comentário:

  1. Filmes como esse são feitos certamente como uma mistura de comédia, drama, terror... Porém, por trás, repleto de construções tiradas de modos de ver o mundo e de certo ferramental do imaginário humano. Lembro insuficientemente do filme, já que faz um bom tempo que o assisti, mas reconheço partes da narrativa. De tal obra, é preciso notar não apenas o anti-heroísmo do herói, mas o anti-heroísmo de sua causa; o mesmo, dentro de certa proporção, por parte do vilão (isso se eu estiver me recordando bem do filme). A construção "de mundo" da narrativa é feita para ser... desconstruída. E aquilo que seria mero entretenimento, pode significar um mote para redescobrir partes de nosso próprio mundo.

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