Crítica l Homem-Aranha: Através do Aranhaverso

Título Original: Spider-Man: Across The Spider-Verse

Direção: Joaquim Dos Santos, Kemp Powers, Justin Thompson

Roteiro Phil Lord, Christopher Miller

Elenco: Oscar Isaac, Shameik Moore, Issa Rae

Título original Spider-Man: Across The Spider-Verse

SINOPSE:

Não recomendado para menores de 10 anos

Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, é a continuação do vencedor do Oscar Homem-Aranha: No Aranhaverso, de 2018, que acompanha Miles Morales (Shameik Moore), o simpático Homem-Aranha do Brooklyn. Neste novo capítulo, Miles está de volta para uma nova missão em sua agitada vida como super herói. No novo filme, Morales é transportado para uma aventura épica através do multiverso, e deve unir forças com a mulher-aranha Gwen Stacy (Hailee Steinfeld) e um novo time de Pessoas-Aranha, formado por heróis de diversas dimensões. No entanto, tudo muda quando os heróis entram em conflito sobre como lidar com uma nova ameaça, e Miles se vê em um impasse. E para piorar ainda mais a situação, eles precisam enfrentar um vilão muito mais poderoso do que qualquer coisa que já tenham encontrado antes. Agora, para salvar as pessoas que ele mais ama no mundo, Miles deve redefinir o que significa ser um super herói.

                                                                         Crítica


Impossível começar qualquer crítica sobre Homem-Aranha: Através do Aranhaverso sem falar do aclamado visual da animação, herança do primeiro filme de 2018. A mistura de técnicas, estilos e formas de animação, incluindo (dentre muitas outras coisas) texturas, renderizações, pop-art, nanquim, 3D, ilusões de ótica, ângulos incomuns, desenhos à mão, preto e branco, efeitos avançados de computador e até imagens de atores reais é algo completamente único, que resulta em um verdadeiro espetáculo visual (e sonoro) que exige diversas reassistidas para ser plenamente compreendido (embora jamais soe confuso). Em Através do Aranhaverso a complexidade visual alcançou quase um estado da arte, fazendo boa parte de outras animações aclamadas parecerem quase simplórias em comparação. Por tudo isso, fica desde já o aviso: é o típico filme feito para o cinema. Não deixe para ver em casa, por melhor que seja a sua TV.

Mas nem o visual mais inovador do mundo se sustentaria sem um roteiro à altura. E essa não é uma tarefa muito mais fácil que os complexos efeitos visuais: Através do Aranhaverso precisava ao mesmo tempo ficar à altura da excelente surpresa que foi o filme de 2018, usar de forma ao mesmo tempo compreensível e sofisticada o conceito de versões alternativas que pode facilmente descambar para uma colcha de retalhos de aparições gratuitas, desenvolver melhor o já consolidado Miles Morales e seus coadjuvantes e costurar tudo isso em uma história criativa que fosse além do básico. Com todas essas exigências, é ótimo constatar que Homem-Aranha: Através do Aranhaverso ficou à altura de todas elas.

Já era esperado que a animação fosse divertida, ágil e criativa, mas ela vai além. É engraçada, óbvio, mas também emocionante, tensa e até angustiante muitas vezes, a ponto do cinema inicialmente empolgado e falante muitas vezes ficar em silêncio em determinados momentos. As duas horas e dezesseis minutos passam voando como um grau de envolvimento raro em qualquer projeção, sem qualquer passagem cansativa ou que pareça apenas “encher linguiça”, com um ritmo que consegue alternar momentos de velocidade alucinante com pausas bem construídas. Todos os variados recursos visuais de animação são usados em prol da história, buscando gerar sensações e percepções que dialogam com os personagens, como por exemplo alguns ambientes extremamente detalhados e complexos que podem ser encantadores ou sombrios, a depender da intenção dos criadores. Além disso, Através do Aranhaverso também é, desde já, uma referência em adaptações de quadrinhos (ou mesmo literatura) para o cinema.

Mesmo sabendo que o material original é, e tem que ser mesmo, irrelevante para o espectador no cinema, é impossível para mim enquanto leitor de quadrinhos e fã do Homem-Aranha desde sempre não destacar como a animação utiliza com absoluta maestria em sua trama e visual décadas de histórias. Impossível comentar com mais profundidade sem spoilers (e, aproveitando o ensejo: faça o possível e o impossível para evitar spoilers desse filme. Acredite, você irá me agradecer), mas é brilhante como o roteiro usa como elemento central e motor da história um evento clássico da mitologia do Homem-Aranha nos quadrinhos e a partir dele explora possibilidades que nunca foram pensadas em mais de 60 anos de histórias do personagem. Uma verdadeira aula de respeito ao material original sem que isso implique em fan service vazio e sem sentido apenas para atender demandas de fãs e teorias de redes sociais, como tantos filmes atuais. 

Obviamente o filme tem muitos momentos de easter-eggs feitos sob medida para os fãs aplaudirem, mas são exatamente o que deveriam ser em qualquer grande franquia ou adaptação: pontuais, curtos e secundários, acrescentando notas de empolgação e pitadas de nostalgia a um produto que se sustenta sozinho. Através do Aranhaverso não segue o lamentável padrão de usar a memória afetiva e o amor aos personagens da base de fãs como muleta e entregar uma reciclagem infinita das mesmas histórias para espremer um pouco mais o mesmo conteúdo cada vez mais sem brilho. Pelo contrário, ele faz o que deveria ser a regra, mas é cada vez mais uma exceção: garimpa décadas e mais décadas de histórias, extrai delas os elementos mais importantes e usa para construir uma narrativa que olha para frente, estabelece novos conceitos e não se prende de forma alguma ao passado, ao mesmo tempo que o respeita e reverencia.

Embora compreensível por razões comerciais mais que conhecidas, é de se lamentar que os trailers tenham entregado tanto do visual e personagens (embora o vilão seja uma ótima surpresa). Seria ainda mais espetacular conhecer alguns conceitos visuais do filme no cinema, como as centenas de Aranhas de diversas dimensões ou a fofíssima filha de Peter Parker. Também o pouco revelado da trama seria muito melhor se descoberto durante o filme, mas é preciso ressaltar novamente: há muitas surpresas, reviravoltas e segredos em Através do Aranhaverso, e é extremamente recomendável assistir ao filme sem ler nada sobre a trama, por mais difícil que isso seja em época de redes sociais.

A continuação supera o original não apenas nos aspectos técnicos, o que seria esperado considerando a diferença de cinco anos entre os dois filmes, mas também no roteiro, que já era ótimo no primeiro filme. Através do Aranhaverso desafia a regra de que personagens demais na mesma história resultam em confusão, coadjuvantes mal desenvolvidos e linhas narrativas dispensáveis. Todos os personagens são muito bem trabalhados, com destaque para a encantadora mãe de Miles e a fantástica Gwen Stacy, mas sempre mantendo o foco no excelente protagonista. Por fim, é no mínimo curioso imaginar com o bonde do discurso “quem lacra não lucra” e outras desculpas para não aceitar a (felizmente) inevitável diversidade no cinema vai reagir ao sucesso de um protagonista latino com diversas referências aos imigrantes porto-riquenos nos EUA. 

Em resumo: Vejam “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso”. Vejam o quanto antes, para não correrem risco de tomar spoilers da trama, especialmente do final. 

                                               Vale a pena.


                                                             Crítica por André Lessa

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