Crítica: Columbus (2017)

Título: Columbus
Direção: Kogonada
Elenco:  John ChoHaley Lu RichardsonParker PoseyRory CulkinMichelle Forbes and Jim Dougherty
Classificação: 


Sinopse: A história acompanha dois personagens que se encontram por acaso na cidade-título do filme: Casey é uma jovem entusiasta de arquitetura que trabalha numa biblioteca e que, ao contrário da maioria dos seus amigos, preferiu ficar na pequena e pacata Columbus cuidando de sua mãe que teve um difícil passado com dependência química, ao invés de se mudar para fazer faculdade em outra cidade. Jin (John Cho) é um Coreano criado nos Estados Unidos que precisa passar um tempo na cidade depois que seu pai – um famoso arquiteto – sofre um acidente e fica internado em coma no hospital local. Os dois se encontram por acaso e começam a desenvolver uma relação de companheirismo enquanto perambulam pela cidade contemplando as grandes obras arquitetônicas.



Crítica

Há uma cena em Columbus onde a personagem Casey (Haley Lu Richardson) e sua mãe Maria (Michelle Forbes) dividem uma refeição. A mãe pergunta para a filha que cozinhou se não faltou tempero na comida, a jovem responde que quis fazer um prato sutil, daqueles onde é possível sentir melhor o sabor dos alimentos e que deixam um gosto posterior agradável na boca. Este diálogo acaba sendo uma síntese precisa do que é o filme (e poderia apostar que essa metalinguagem no roteiro foi algo intencional). Como a culinária de sua protagonista, o cinema do diretor Kogonada é sutil, desprovido de grandes temperos dramáticos e de fortes impactos sensoriais, mas compensa ao realçar as leves nuances dos seus personagens e ao deixar um gosto delicioso na boca que dura para muito além dos créditos finais.


O enredo criado pelo próprio Kogonada se desenvolve em um ritmo deliberado e paciente, deixando de lado grandes viradas na história ou grandes acontecimentos dramáticos para apostar em momentos delicados de interação pessoal e em situações cotidianas banais. É um estilo de cinema que remete aos filmes do diretor Jim Jarmusch, onde a história tem um clima letárgico que oscila entre o sonolento e o poético, mas que recompensa àqueles que se deixam levar pela atmosfera do filme com uma sensação pungente de imersão e de afeto sincero por aqueles personagens, algo que muitos filmes com narrativas mais tradicionais não conseguem alcançar.


Deste modo, a direção de Kogonada é precisa e extremamente madura para um artista que está apenas estreando no mercado de longas-metragens. O filme conta com uma câmera quase sempre estática, enquadrando as cenas em composições minuciosas e extremamente bem pensadas. As cenas internas valorizam o ambiente e a decoração (um trabalho excelente de design de produção), com planos que fazem com que os personagens pareçam quase oprimidos pelos corredores, móveis e paredes. Em outros momentos os personagens só são mostrados em pequenos reflexos em espelhos ou então embaçados atrás de vidros. As cenas externas, por outro lado, são mais livres e abertas, tornando os seres humanos pequenos diante da magnitude das construções.


Os cortes são feitos com uma precisão quase cirúrgica, vindo apenas nos momentos necessários e conferindo uma fluidez agradável à narrativa. Há uma cena, por exemplo, onde Casey e Jin conversam dentro de um carro e a câmera passa vários minutos parada enquadrando-os do banco de atrás, pegando vislumbres dos seus rostos apenas através do retrovisor. Depois, muda para um plano frontal de fora do carro, finalmente mostrando os protagonistas de frente para o espectador, lado a lado, e por fim, quando os dois saem do carro para fumar, a cena termina com um plano horizontal do teto do carro com os personagens se encarando, cada um em uma extremidade do quadro com uma construção importante da cidade preenchendo o fundo. É uma abordagem discreta, porém que denota extremo controle técnico e narrativo por parte do diretor e da excelente fotografa Elisha Christian. Em outros momentos a direção também é inteligente ao criar contraste, como na cena onde Casey e Jin conversam pela primeira vez e a câmera abandona a rigidez apresentada anteriormente e se movimenta seguindo o caminhar dos personagens no mesmo ritmo. A excelente trilha sonora da banda de post-rock Hammock também merece menção pelo clima de beleza melancólica que cria para o filme, e é usada de forma tão precisa em uma obra que é quase sempre silenciosa, que acaba sendo mais uma evidência do controle e da maturidade do diretor.


Mas o que brilha mesmo no longa é a maneira com que a cidade de Columbus é filmada. Sendo quase o terceiro protagonista da história, Columbus é descrita já no começo da narrativa como a “meca de arquitetura”, contendo obras modernistas inovadoras de grandes arquitetos como Eliel Saarinen (citado diversas vezes no filme). Ao invés de simplesmente explorar a beleza das construções em composições paisagísticas esteticamente belas, o filme trata a arquitetura local como um elemento essencial da narrativa. A relação entre as figuras humanas e o espaço é trabalhada com muito esmero. Casey e Jin, por exemplo, têm diversas cenas em frente a construções clássicas, e conversam diretamente sobre arquitetura enquanto, inconscientemente, perscrutam os seus próprios alicerces pessoais. Deste modo, o filme assume um caráter poético fascinante ao tratar a arquitetura como metáfora para a própria construção da identidade daqueles personagens. E longe de forçar a barra através de diálogos óbvios ou bobos consegue gerar reflexões e momentos de lirismo genuíno através da tão citada sutileza.


O roteiro também merece reconhecimento no papel de criar esses momentos intimistas e delicados, com diálogos que poucas vezes tendem para o óbvio e que evitam exposição desnecessária. O resultado é um filme que soa realista e plausível mesmo com tantos momentos poéticos e que consegue sugerir diversas camadas aos personagens sem a necessidade de grandes monólogos. A sutileza e delicadeza das interações às vezes soa tão genuína que eu acabei me perguntando se não teria sido resultado de improviso dos atores. Um diálogo em especial onde Casey brinca com Jin pela maneira como ele pergunta se a mãe dela usava drogas é tão autentico e natural que eu não consegui acreditar que uma pessoa escreveu aquilo em uma página de papel consciente da espontaneidade que aquelas palavras teriam. Se esses momentos tão marcantes são fruto de um roteiro genial ou de liberdade de improvisação não sabemos, mas o resultado é maravilhoso.


O roteiro é enriquecido mais ainda pelas excelentes atuações. John Cho e Haley Lu Richardson oferecem algumas das melhores interpretações das suas carreiras, criando uma relação que oscila com naturalidade entre a amizade, admiração, insegurança e amor. Os atores parecem completamente à vontade nas longas sequências de diálogos sem cortes, conferindo uma química genuína para aquele relacionamento inesperado. Os dois conseguem deixar transparecer dramas internos tênues através de pequenos gestos e expressões sutis – especialmente o John Cho – e a jovem atriz, quando necessário, entrega as poucas cenas dramáticas mais intensas com a mesma competência. O elenco ainda conta ótimas atuações de Parker Posey como Eleanor (uma antiga conhecida de Jin), Michelle Forbes como Maria (a mãe de Casey) e uma participação discreta, mas divertida de Rory Culkin como Gabriel, um amigo de Casey que trabalha com ela na biblioteca.


Columbus é um filme sobre a relação do ser humano com o espaço. Mas também é um filme sobre família, liberdade e identidade. É também uma carta de amor escancarada à arquitetura. Apesar da sua narrativa lenta, por vezes cansativa, é sempre envolvente para aqueles dispostos a desacelerar e respirar a atmosfera do filme. Como a própria Casey diz, depois que ela aprendeu sobre a história arquitetônica de Columbus, parece que ela passou a viver em outro lugar. O relógio “assimétrico, mas equilibrado” a ponte que é metafórica e literal, são exemplos de construções humanas que, para além da sua funcionalidade prática, guardam significados mais profundos para aqueles que param para contempla-las. A história acaba sendo um convite ao exercício do olhar e da sensibilidade, e em tempos tão velozes e estressantes, o simples ato de olhar para um prédio com atenção pode ser libertador. Afinal, apreciar o mundo ao redor pode nos ajudar a discernir as linhas e formas que desenham nossa própria identidade.

Comente com o Facebook:

Nenhum comentário:

Postar um comentário