Deste modo, a direção de Kogonada
é precisa e extremamente madura para um artista que está apenas estreando no
mercado de longas-metragens. O filme conta com uma câmera quase sempre
estática, enquadrando as cenas em composições minuciosas e extremamente bem
pensadas. As cenas internas valorizam o ambiente e a decoração (um trabalho
excelente de design de produção), com planos que fazem com que os personagens
pareçam quase oprimidos pelos corredores, móveis e paredes. Em outros momentos
os personagens só são mostrados em pequenos reflexos em espelhos ou então
embaçados atrás de vidros. As cenas externas, por outro lado, são mais livres e
abertas, tornando os seres humanos pequenos diante da magnitude das
construções.

Os cortes são feitos com uma
precisão quase cirúrgica, vindo apenas nos momentos necessários e conferindo
uma fluidez agradável à narrativa. Há uma cena, por exemplo, onde Casey e Jin
conversam dentro de um carro e a câmera passa vários minutos parada
enquadrando-os do banco de atrás, pegando vislumbres dos seus rostos apenas
através do retrovisor. Depois, muda para um plano frontal de fora do carro,
finalmente mostrando os protagonistas de frente para o espectador, lado a lado,
e por fim, quando os dois saem do carro para fumar, a cena termina com um plano
horizontal do teto do carro com os personagens se encarando, cada um em uma
extremidade do quadro com uma construção importante da cidade preenchendo o
fundo. É uma abordagem discreta, porém que denota extremo controle técnico e
narrativo por parte do diretor e da excelente fotografa Elisha Christian. Em
outros momentos a direção também é inteligente ao criar contraste, como na cena
onde Casey e Jin conversam pela primeira vez e a câmera abandona a rigidez
apresentada anteriormente e se movimenta seguindo o caminhar dos personagens no
mesmo ritmo. A excelente trilha sonora da banda de post-rock Hammock também
merece menção pelo clima de beleza melancólica que cria para o filme, e é usada
de forma tão precisa em uma obra que é quase sempre silenciosa, que acaba sendo
mais uma evidência do controle e da maturidade do diretor.

Mas o que brilha mesmo no longa é
a maneira com que a cidade de Columbus é filmada. Sendo quase o terceiro
protagonista da história, Columbus é descrita já no começo da narrativa como a
“meca de arquitetura”, contendo obras modernistas inovadoras de grandes arquitetos
como Eliel Saarinen (citado diversas vezes no filme). Ao invés de simplesmente
explorar a beleza das construções em composições paisagísticas esteticamente belas,
o filme trata a arquitetura local como um elemento essencial da narrativa. A
relação entre as figuras humanas e o espaço é trabalhada com muito esmero.
Casey e Jin, por exemplo, têm diversas cenas em frente a construções clássicas,
e conversam diretamente sobre arquitetura enquanto, inconscientemente,
perscrutam os seus próprios alicerces pessoais. Deste modo, o filme assume um
caráter poético fascinante ao tratar a arquitetura como metáfora para a própria
construção da identidade daqueles personagens. E longe de forçar a barra
através de diálogos óbvios ou bobos consegue gerar reflexões e momentos de
lirismo genuíno através da tão citada sutileza.

O roteiro também merece reconhecimento
no papel de criar esses momentos intimistas e delicados, com diálogos que
poucas vezes tendem para o óbvio e que evitam exposição desnecessária. O
resultado é um filme que soa realista e plausível mesmo com tantos momentos
poéticos e que consegue sugerir diversas camadas aos personagens sem a
necessidade de grandes monólogos. A sutileza e delicadeza das interações às
vezes soa tão genuína que eu acabei me perguntando se não teria sido resultado
de improviso dos atores. Um diálogo em especial onde Casey brinca com Jin pela
maneira como ele pergunta se a mãe dela usava drogas é tão autentico e natural
que eu não consegui acreditar que uma pessoa escreveu aquilo em uma página de
papel consciente da espontaneidade que aquelas palavras teriam. Se esses
momentos tão marcantes são fruto de um roteiro genial ou de liberdade de
improvisação não sabemos, mas o resultado é maravilhoso.

O roteiro é enriquecido mais
ainda pelas excelentes atuações. John Cho e Haley Lu Richardson oferecem
algumas das melhores interpretações das suas carreiras, criando uma relação que
oscila com naturalidade entre a amizade, admiração, insegurança e amor. Os
atores parecem completamente à vontade nas longas sequências de diálogos sem
cortes, conferindo uma química genuína para aquele relacionamento inesperado.
Os dois conseguem deixar transparecer dramas internos tênues através de
pequenos gestos e expressões sutis – especialmente o John Cho – e a jovem
atriz, quando necessário, entrega as poucas cenas dramáticas mais intensas com
a mesma competência. O elenco ainda conta ótimas atuações de Parker Posey como
Eleanor (uma antiga conhecida de Jin), Michelle Forbes como Maria (a mãe de
Casey) e uma participação discreta, mas divertida de Rory Culkin como Gabriel,
um amigo de Casey que trabalha com ela na biblioteca.

Columbus é um filme sobre a
relação do ser humano com o espaço. Mas também é um filme sobre família,
liberdade e identidade. É também uma carta de amor escancarada à arquitetura.
Apesar da sua narrativa lenta, por vezes cansativa, é sempre envolvente para
aqueles dispostos a desacelerar e respirar a atmosfera do filme. Como a própria
Casey diz, depois que ela aprendeu sobre a história arquitetônica de Columbus,
parece que ela passou a viver em outro lugar. O relógio “assimétrico, mas
equilibrado” a ponte que é metafórica e literal, são exemplos de construções
humanas que, para além da sua funcionalidade prática, guardam significados mais
profundos para aqueles que param para contempla-las. A história acaba sendo um
convite ao exercício do olhar e da sensibilidade, e em tempos tão velozes e
estressantes, o simples ato de olhar para um prédio com atenção pode ser
libertador. Afinal, apreciar o mundo ao redor pode nos ajudar a discernir as
linhas e formas que desenham nossa própria identidade.
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