Resenha: O conto da Aia | Margaret Atwood

Título: O conto da Aia (The Handsmaid tale)
Autor: Margaret Atwood
Editora: Rocco
Páginas: 366
Classificação:  Nenhum texto alternativo automático disponível.
Sinopse: Em algum momento na sociedade americana, um colapso acontece e todas as liberdades são tiradas. Em troca da sobrevivência da civilização surge um regime totalitarista regido na República de Gilead onde a liberdade é trocada pela devoção e doutrinas que são aplicadas a qualquer custo. 




Nolite te bastardes carborundum





Disclaimer:





1) Vale sempre reafirmar isso, mas a opinião da dona do blog não reflete a minha e vice-versa. Portanto, se as pedras vierem, a Ili não tem culpa de nada, não deixem de seguir nas redes e nem bloqueiem no face e, se as pedras vierem, que venham em cima de mim.

2) O texto só vai falar do livro. Ainda não vi a série. Talvez veja em outubro (férias).
3) Não sou o dono da verdade, é a minha opinião apenas. Normalmente isso não precisa ser dito, mas, pelo livro falar sobre assuntos que são capazes de mover um rage infinito, vale lembrar disso aqui também...

Explanado os itens, acho que é a hora de falar sobre essa distopia...




Resenha





O que é uma distopia na literatura? 

Bom, distopia, normalmente é um gênero literário que usa de algo/meio externo – doença, vírus, um meteoro gigante – enfim, qualquer explicação que altere drasticamente o meio de vida de uma sociedade e, a partir daí, novas regras são estabelecidas para o “bom convívio” social, o que, nós, leitores de distopias, sabemos que, para uma parte da população, normalmente onde a(o) protagonista se encontra, não é bom.




Como as histórias de distopias são normalmente estruturadas?

Boa parte das distopias começam explicando o mundo e suas “alterações” mediante a um acontecimento – e pode ser qualquer coisa mesmo – entrando, logo após na história do personagem principal e como aquela alteração implica na boa vida da parcela afetada.




Qual o objetivo de uma distopia?

Normalmente o objetivo de uma distopia é relacionar algo que parece impossível de acontecer (a sociedade voltar a viver como na Idade Média, por exemplo), acontecendo. Ou seja, para “prevenir”, na medida do possível que algo ruim (como um sujeito presidente assumir a república das bananas) aconteça.




O conto da aia se encaixa nesses três itens que eu considero ideal em uma distopia. Teria tudo para ser um conto fantástico de mais de 300 páginas, mas algo me incomodou. Mas vamos por partes e, já que a autora demora 200 páginas para dar ao leitor todo o panorama do “AiaVerso”, vou fazer em menos...





AiaVerso





O livro se passa nos Estados Unidos. Aparentemente nos períodos atuais, já que inúmeras referências musicais – as músicas que a mãe da personagem ouvia – eram da década das mães das pessoas que, assim como eu, nasceram nos famigerados anos 80. Em algum momento, há algo(s) que muda com o “sonho americano”. Atentados terroristas e uma suposta guerra acaba com o meio habitual de governo, fazendo com que os habitantes entrem em uma lei marcial, que é implantada para “ser provisória” – a história contemporânea mostra que nunca é.




E, algumas das medidas implantadas são: a redução da quantidade de dinheiro na rua, o famoso congelamento das contas correntes (um movimento que passou pelo Brasil por culpa do “moderninho”, no início da década de 90. Talvez seja uma data estranha para o leitor, mas foi um momento na história brasileira que renderiam excelentes distopias), proibição ou fechamento da internet, os celulares não funcionavam mais para nada – a não ser para iluminação até a bateria acabar –, a criação de um exército para lutar contra aqueles que ameaçavam a segurança da “República de Gilead”, e, uma outra medida relativamente tardia na linha do tempo desse conto foi o cadastramento de mulheres que engravidaram.





Não tem como explicar essa última medida sem entrar no campo fértil dos spoilers, então, vou dizer que essa principal medida permitiu que uma nova “árvore social” ao estilo aristotélico (de Aristóteles mesmo. Uma das coisas que esse cara fodabagarai disse foi que o ser humano nasce com uma função pré-determinada e que se você não realizasse essa função, você estaria indo contra a ordem natural das coisas, portanto, inevitavelmente, você estaria desempenhando um papel fadado ao fracasso. Exemplificando, se eu sou administrador de empresas, só poderia administrar uma empresa. Se fizesse outra coisa, não estaria sendo regido pela ordem natural do Universo. Esse conceito era chamado de eudaimonia – poderia dar anos e anos de exemplos, mas melhor voltar pra resenha. Aliás, citar Aristoteles em uma resenha é um feito inédito), então, surgiram algumas classes. Vale a pena falar delas em questão de importância ou de poder na trama.


Primeiro, o aparente detentor do poder eram chamado de Comandante. O comandante, ao que o livro dá a entender são os senhores de tudo. Como se fossem os reis de Gilead. O livro fala bastante do poder deles, em coisas sutis, como possuir coisas proibidas para o resto da população – essa também foi uma medida que foi realizada. Os instrumentos que de alguma forma cultuassem o corpo, a individualidade ou qualquer coisa que não fosse julgado correto, foi queimado. Os Comandantes eram como os responsáveis por várias áreas e vertentes da guerra e das leis e normas que facilitariam o convívio dentro da república.

Depois, vinham as Esposas. Como o nome fala, elas eram esposas dos Comandantes. (Sério? Jura por Deus? Pois é...) por causa disso, dentro de casa, elas tinham o poder de controlar os Comandantes e todo o ambiente. O livro dá a entender – e com uma certa razão, devo dizer – que o verdadeiro poder estava com elas. Na maioria dos casos, as Esposas não podiam engravidar – guardem essa informação, é importante – então, elas eram, de certa maneira, responsáveis por providenciar, vamos dizer assim, a continuidade da República de Gilead (“pela honra e glória do Senhor Jesus” – reconhecem o bordão de algum momento? Se não, deveriam). Vou falar sobre isso mais tarde, prometo, mas vamos para o próximo...

Na hierarquia fundamentalista da República de Gilead os próximos são os Anjos, que lutavam na “guerra”. E, obviamente, para “levantamento da moral” os cidadãos somente ouviam falar que os Anjos estavam vencendo, uma velha tática de guerra altamente explorada nas mais famosas até hoje.




Os Anjos, quando ocorrem de prestarem/sobreviverem ao serviço militar de Gilead, podem tomar uma Esposa. Caso não tenham posses, acabam escolhendo as chamadas Econoesposas, que eram o traço médio entre as Esposas – já citadas – e as Aias. As Econoesposas podiam andar livremente pela cidade sem necessidade de companhia e, embora o “roteiro turístico”

de Gilead fosse curto, elas podiam visitar os roteiros com frequência. Eu mencionei as Aias, que dão título ao livro, então vamos a elas...




As Aias são as mulheres que eram, aparentemente saudáveis (saudáveis no sentido de poder gerar vida mesmo), que eram escolhidas para serem fecundadas pelos Comandantes. Óbvio que se trata de uma distopia, já que nos tempos atuais é meio inconcebível tal ato (aham, senta lá, Claudia), mas, ao mesmo tempo que possuíam uma missão “nobre”, era considerado uma tarefa de mais baixo calão e que era totalmente antagonista das Esposas.


Para realizar a tarefa, as Aias passavam por uma árdua lavagem cerebral (nem parece uma distopia), para que aceitassem a sua tarefa como “cordeirinhos”, além de contar com a anuência das Esposas para que o ato fecundo não gerasse prazer (lembre-se crianças, atos fecundos tem por princípio, gerar prazer). E a descrição da nossa Aia sobre o ato em si é a parte mais cruel/sublime do livro... mas isso eu deixo pra falar só um pouco no próximo tópico.




Nolite te bastardes carborundum





Eu já escrevi essa expressão do latim. No livro o significado não-literal seria algo como “não deixe os idiotas te destruírem”. A expressão não quer dizer exatamente isso, mas para o resenhista é isso o que parece.


A personagem principal, vamos chamá-la aqui como a “Estranha sem nome”, já que o nome do livro não quer dizer nada, além de ser uma baita homenagem, aprende essa expressão no momento em que precisa se lembrar do seu lugar naquele mundo.

A moldagem da “Estranha sem nome” ocorre na medida em que a história corre, portanto, sim, o livro é escrito em dois – até três – tempos diferentes, onde a personagem é desenhada como uma mulher independente do século XXI (eu mesmo conheço algumas que seriam esse excelente estereótipo), quando ocorre o fenômeno, e a lenta e incompleta transformação da Estranha em Offred. Talvez sendo esse o ponto principal do livro.




Em vários momentos da leitura, me senti como se a autora me falasse para “não deixar que os idiotas me destruam”, para persistir no conto. E assim fui. Não sou de desistir da leitura, mas tive que me esforçar bastante. Seja pelos detalhes ou falta deles (já falo, é rapidinho), quanto pela letargia da própria personagem, perfeitamente entendível durante a leitura.





Já que eu falei o nome Offred, acho interessante explicar uma “certa origem”. Não que a autora explique, mas o nome dado pela personagem a ela mesma é uma contração de Of Fred (do Fred, no sentido de propriedade). Embora isso possa ser um item escandalizador e supostamente diferente, na Islândia, os sobrenomes indicam a “árvore genealógica” da pessoa. O goleiro da Islândia que defendeu pênalti do Messi chama Halfred Halfredsson que, na tradução literal seria “Halfred, filho de Halfred”, ou, para nós, brasileiros, seria Halfred Jr. Tudo isso para explicar que, pelo fato das Aias serem aquisições dos Comandantes, todas elas eram nomeadas após a aquisição.





O nome da personagem é algo que me incomoda. Já disse isso em outra resenha. Dar nome a um personagem é inseri-lo como pessoa, dando escolhas, pensamentos e, se tratando de uma distopia, a racionalidade – ou falta dela – para lidar com certas situações. A letargia de Offred é explicada, porém destoante do que seria a “Estranha sem nome” no início do conto e nas passagens da história da mesma. Então, além do nome ausente, ou melhor, dos traços de personalidade jogados nas páginas, o leitor precisa absorver que a Offred não é uma personagem em si, mas uma representação do que era ser uma Aia naquele espaço de tempo.




O problema é que raramente uma personagem que se torna uma ideia não é vinculada a um símbolo. E, embora a “Estranha” tivesse as características de uma revolucionária – a jornada do herói é altamente aplicada ao passado da mesma – a característica se perde. Talvez o instinto de sobrevivência de Offred – altamente explorado no livro – seja um fator determinante, mas ainda sim, a determinação é fraca vista até mesmo dos olhos da personagem.





Um momento da leitura que é possível dividir a personagem em duas personalidades distintas é a explicação de como ela realizaria a sua “função naquele Universo”. Ao mesmo tempo que a narração é como uma música de elevador, o que as palavras não dizem é o sofrimento daquela mulher definido pela impossibilidade de sentir prazer ou de ter controle sobre o ato – já que a negação era impossível.


Concluindo...




O conto da Aia, como eu disse, se classifica como uma distopia, entretanto, a principal razão de uma distopia existir é para passar alguma mensagem – geralmente contra o poder totalitário, exercido em várias distopias, ou sobre a maldade que reside em todos nós. O x da questão é que esse conto faz só metade dessa missão. Para ser mais específico, o conto tem final, não é dividido em 2 ou 3 livros (aí, Patrick Rothfuss, um abraço). Ela conta a historia da Aia que, poderia ser muito mais rica em uma outra abordagem, mas deixa a desejar.


Um exemplo. No capítulo Aiaverso eu esqueci de falar de uma outra classe. As não-mulheres, que, por não se enquadrarem nesse regime totalitário-maluco-do-caralho, simplesmente foram expulsas de Gilead. E é isso. Quer dizer, o livro em si é feito para ser uma clara crítica ao regime patriarcal, embora as Esposas claramente tenham uma parcela mínima de poder (decidir o destino das Aias, por exemplo. Se as Esposas, por algum motivo, não consentissem a Aia em casa, ela seria, por consequência, exilada) – e o livro relata essa parte em si, muito bem, mas, se a crítica é sobre o totalitarismo, por que não dar ênfase também àquelas que, de alguma maneira, desafiaram o sistema, como parecia que a “Estranha” faria no momento “passado”.




O fato da personagem principal não ter uma identidade própria também me incomodou. O grande erro de distopias em geral que tentam fazer com que o nome seja uma identidade é não criar vínculos para que o expectador/leitor absorva essa idéia. Nesse ponto o livro deixa muito a desejar. Eu reclamei disso no livro do Rodrigo de Oliveira, mas a explicação dele está no livro. A obra por si só é completa. Quando você, leitor, precisa de outros meios que não aquele que você está utilizando (livro, filme, video-game) para entender um “Universo” a obra não é completa em si mesma. Por isso, pra mim, “O conto da Aia” deixa muito a desejar, porque as expectativas foram altas – já que a série é super conceituada – e, assim como GoT, deve ser o único guia da história que a personagem principal passa.





Ainda falando em personagens, há algumas personagens que são centrais na trama, sendo que só a Moira – amiga da personagem principal – possui um papel forte. Se o livro fosse o purgatório de Dante, a Moira, com certeza, seria o Dante que busca resgatar sua amada. Uma grande personagem sim, mas com uma participação ínfima que, com certeza poderia ser maior, de alguma maneira.





Pra resumir quase 2500 palavras sem sentido, o livro tem pontos fortes. E esses pontos fortes são muito fortes, conseguem segurar sim o leitor, mas tem falhas. E, infelizmente as falhas não são cobertas pelos pontos fortes. Pelo contrário, os pontos fortes necessitam de outros aprimoramentos para que o livro alcance a grandeza da série.





E você, leitor(a) guerreiro(a), gostou do livro? Tem alguma coisa pra falar e me ensinar também? Não me odeie por não gostar tanto do livro quanto eu esperava que fosse gostar (minha primeira aquisição na Bienal/18, que não fosse livro de filosofia). Comenta aí e não esquece de seguir o blog no face “O clube da meia noite”, instagram e twitter @oclubedameianoite.





NOLITE TE BASTARDES CARBORUNDUM


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